Objetos que Trazem
Bênção e
Maldição:
Um Estudo sobre o Uso de
Objetos e a Fé
Augustus Nicodemus Lopes
Um assunto que tem provocado muita polêmica em nossos dias é o
ensino do moderno movimento de batalha espiritual acerca de objetos que
têm o poder de abençoar e amaldiçoar aqueles que os tocam ou
possuem. Nesse pequeno artigo, procuro compreender esse ensino e oferecer uma
avaliação.
Objetos que Trazem
Bênção
Nos cultos de muitas igrejas de libertação, objetos variados
são empregados como canais de bênção. Eles são
ungidos (abençoados) nos cultos com o objetivo de passarem ao fiel algum
tipo de benefício. Os mais comuns são a água fluidificada
(colocada sobre o rádio ou TV durante a oração do "homem de
Deus"), a rosa ungida, ramos de arruda, sal grosso, óleo, água,
vinho, pedrinhas trazidos da "terra santa" (Israel), fitinhas, pulseiras e
lenços.
Embora os líderes dessas igrejas insistam que esses objetos
abençoados funcionam apenas como apoio para a fé dos crentes, ao
fim, acabam sendo usados como talismãs, fetiches e outros objetos
"carregados" de poder espiritual. Os seus possuidores devem usá-los de
acordo com algum tipo de ritual, após o culto. A água pode ser
bebida em casa, após a oração de consagração.
O "cajado de Moisés" deve ser usado para bater naquilo que o crente
gostaria de ter (um carro novo, por exemplo). Lenços ungidos devem ser
carregados junto ao corpo por determinado tempo, geralmente durante o tempo de
uma corrente de oração.(1)
Muitas vezes objetos são "abençoados" nessas igrejas com o
objetivo de espantarem e expelirem demônios. A idéia que
está por detrás desse uso religioso de artigos e objetos é
o de que as entidades espirituais (anjos e demônios) podem ser atingidas
através dos sentidos como cheiros, cores, gosto e vozes. Nesse ponto os
cristãos do primeiro século se afastaram significativamente das
práticas exorcistas do Judaísmo da sua época, que foram
desenvolvidos no período intertestamentário. Os métodos
rabínicos de tratar com demônios incluía o uso de tochas de
fogo à noite, amuletos, filactérios,(2) fórmulas
mágicas, fumigações, entre outros. A idéia era que
essas coisas teriam em si algum tipo de poder mágico contra os
demônios.(3) No cristianismo primitivo, entretanto, a idéia de que
demônios pudessem ser atingidos através de sons, cheiros ou coisas
materiais e tangíveis, está ausente.
É importante dizer que não duvido da sinceridade e da
boa-fé dos que empregam esses objetos. Entretanto, podemos estar
sinceramente enganados no que diz respeito ao culto a Deus, como os judeus na
época de Paulo (Rm 10.1-2). É minha convicção que o
uso desses objetos como apoio para fé ou canal de
bênçãos não faz parte do culto agradável a
Deus que nos é ensinado nas Escrituras.
Entendendo o uso de objetos na
Bíblia
Salta aos olhos de quem conhece as práticas religiosas populares que
o uso de objetos ungidos pelas igrejas de libertação é
bastante semelhante ao benzimento de objetos no baixo espiritismo, artes
mágicas e no ocultismo em geral. Entretanto, essas igrejas argumentam que
a prática tem base na Bíblia. Provavelmente a passagem
bíblica mais citada é Atos 19.12, onde se relata o uso dos
aventais e lenços de Paulo para expulsar demônios em Éfeso.
É preciso salientar, entretanto, que esse acontecimento é o
único do gênero que temos registrado no Novo Testamento. Fez parte
dos "milagres extraordinários" que o Senhor realizou em Éfeso
pelas mãos de Paulo (At 19.11).
Devemos interpretar essa passagem da mesma forma como interpretamos os
relatos do Antigo Testamento sobre o cajado de Moisés (Ex 8.5,16) e o
manto de Elias (2 Re 2.8,14). Esses objetos foram veículos materiais do
poder miraculoso desses homens. O propósito das narrativas acerca do
poder que havia neles foi mostrar o extraordinário poder de Deus nas
vidas dos seus possuidores, comprovando que a sua mensagem vinha realmente da
parte de Iavé. O ponto é que esse poder era tão grande que
até as coisas com as quais Moisés e Elias tinham contato
diário se tornavam canais através dos quais ele era
transmitido.
Além dessas ocorrências no Antigo Testamento mencionadas
acima, outros eventos são citados como justificativa para o uso de
objetos como veículos do poder divino. Moisés fez uma serpente de
bronze (Nm 21.9). Eliseu usou um prato novo com sal para miraculosamente sanar
as águas de Jericó (2 Re 2.19-22), um pouco de farinha para
purificar uma comida envenenada (2 Re 4.38-41), um pau para fazer flutuar um
machado que caiu no rio (2 Re 6.1-7). Sob seu comando, as águas do
Jordão serviram para curar a lepra de Naamã (2 Re 5.1-14). Seu
bordão parece que era usado para realizar milagres (2 Re 4.29) e seus
ossos ressuscitaram um morto (2 Re 13.20-21). O profeta Isaías usou uma
pasta de figos para curar Ezequias (2 Re 20.7).
Alguns eventos narrados no Novo Testamento são também citados
como prova. As vestes de Jesus tinham poder curador. Não somente a mulher
com um fluxo de sangue foi curada ao tocá-las (Lc 8.43-46), mas muitas
outras pessoas doentes (Mt 14.36; Mc 6.56; cf. Lc 6.19). Em pelo menos duas
ocasiões, Jesus usou saliva para curar cegos (Mc 8.22-26; Jo 9.6-7), e em
outra, para curar um mudo (Mc 7.33). Aparentemente, a sombra de Pedro,
após o Pentecostes em Jerusalém, acabava por curar a quem
atingisse (At 5.15).
Devemos entender, entretanto, qual o objetivo dessas narrativas. Em todas
elas, o conceito é sempre o mesmo. Jesus e os apóstolos eram
tão cheios do poder de Deus que as coisas com as quais tinham contato
íntimo se tornavam como que em extensões deles, para curar e
abençoar as pessoas. O objetivo é idêntico: enfatizar a
enormidade do poder de Deus em suas vidas, e assim, atestar que a mensagem
pregada por eles, bem como pelos profetas do Antigo Testamento, vinha de Deus. A
prova eram os poderes miraculosos tão extraordinários que
até mesmo vestes, bordões, ossos, saliva, sombra e lenços
desses homens transmitiam o poder curador de Deus que neles havia. É
dessa forma que devemos entender o relato de Atos 19 sobre o poder curador dos
lenços e aventais de Paulo.
Evidentemente, essas passagens não servem como prova de que, hoje,
as igrejas evangélicas podem abençoar objetos e usá-los
para expelir demônios, proteger seus possuidores contra forças
negativas e curar moléstias. Notemos as principais diferenças
entre o uso destes objetos nos relatos bíblicos e o uso que é
feito hoje pelas igrejas de libertação.
1. Foram usados como símbolos – Em vários casos,
o papel de objetos na execução dos milagres bíblicos
é melhor entendido como tendo sido simbólico. De alguma
forma estavam relacionados à natureza do milagre: uma serpente de bronze
para curar mordeduras de serpentes, um pedaço de pau para fazer um
machado flutuar, sal e farinha para purificar águas e comida (os dois
elementos eram usados nos sacrifícios), ossos para trazer vida e
água do Jordão para "limpar" a lepra. Nas igrejas de
libertação, muito embora se diga que os objetos funcionam
simbolicamente como apoio para a fé, acabam sendo aceitos pelos
fiéis menos avisados como possuindo em si mesmos alguma virtude ou
poder.
2. A natureza dos milagres em que foram empregados – Os
objetos fizeram parte de milagres que não vemos serem repetidos hoje. A
melhor maneira de provar que o uso de objetos ungidos hoje opera a mesma
liberação do poder divino como nos eventos relatados na
Bíblia, seria abrir rios, ressuscitar mortos, curar leprosos, cegos e
aleijados, sanear águas amargas e limpar comidas envenenadas usando
objetos pessoais dos missionários e obreiros dessas igrejas. Entretanto,
os "milagres" efetuados pelos objetos ungidos nas igreja de
libertação nem de perto se assemelham aos prodígios
extraordinários narrados nas Escrituras.
3. Seu uso limitou-se ao momento do milagre – Nenhum dos
objetos empregados na Bíblia preservaram algum "poder" em si mesmos
após o milagre ter ocorrido. A serpente de bronze, até onde
sabemos, não foi mais usada para curar mordidas de serpentes após
o incidente no deserto, muito embora os judeus supersticiosos passassem a
adorá-la como a um deus. É natural supor que Eliseu, após
usar o manto de Elias para abrir as águas, usou-o normalmente como
peça do seu vestuário, sem que o mesmo exercesse qualquer poder
mágico nas coisas em que tocava. O sal, a farinha e o pedaço de
pau que ele usou para fazer milagres foram tirados da vida normal e retornaram a
ela após seu uso. Não retiveram qualquer propriedade miraculosa em
si mesmos. Semelhantemente, os lenços e aventais de Paulo tiveram um uso
especial somente em Éfeso, e provavelmente somente durante um determinado
período, ao longo dos três anos que o apóstolo passou ali.
Em contraste, as igrejas da libertação ungem e abençoam
objetos e atribuem a eles efeitos que permanecem muito tempo após a
cerimônia. É algo bem diferente do uso ocasional feito pelos
profetas e apóstolos.
4. Os objetos estavam ligados à pessoa dos homens de Deus
– Alguns dos objetos usados eram coisas pessoais dos homens de Deus,
como a capa de Elias, o bordão de Eliseu, as vestes de Jesus, os
lenços e aventais de Paulo e, num certo sentido, a sombra de Pedro. Eles
só foram empregados por isso. O alvo era mostrar o extraordinário
poder de Deus sobre tais homens. Quando refletimos no fato de que somente coisas
pessoais dos profetas, do Senhor Jesus e dos apóstolos foram usadas,
perguntamo-nos se nossos objetos pessoais teriam o mesmo poder. A resposta
humilde deve ser "não". Os profetas, o Senhor e os apóstolos foram
pessoas especiais e pertenceram a uma época especial e única
dentro da história da revelação. A suspeita de que nossos
objetos pessoais são impotentes para realizar milagres fica ainda mais
fortalecida quando não descobrimos nas Escrituras qualquer exemplo de
coisas dos crentes comuns sendo usadas com esse fim.(4)
5. Nenhum dos objetos empregados foi ungido ou abençoado
– Essa é uma diferença fundamental. Nas igrejas de
libertação, os objetos são ungidos, abençoados,
fluidificados e consagrados através da oração e da
imposição de mãos dos pastores e obreiros, depois do que,
passam supostamente a ter poderes especiais. No entanto, em nenhum dos casos
mencionados nas Escrituras, os objetos empregados nos milagres passaram, antes,
por uma cerimônia de consagração. A Bíblia desconhece
totalmente a "unção" de coisas com o fim de serem empregadas em
atos miraculosos, para atrair as bênção de Deus, ou ainda,
para expelir demônios e doenças. É verdade que no Antigo
Testamento alguns objetos, utensílios e mobília do
tabernáculo, e depois, do templo, foram ungidos com sangue e óleo.
Mas o propósito não era investir essas coisas de poderes
especiais, e sim separá-las do seu uso comum para o uso sagrado
nos rituais de sacrifício. Eliseu não ungiu nem consagrou, pela
oração, o sal, a farinha e o pedaço de árvore que
usou para operar milagres. Nem Isaías ungiu a pasta de figo para curar a
úlcera de Ezequias. Nem mesmo a serpente de bronze passou por uma
consagração, antes de ser erigida diante do povo envenenado pelas
serpentes. Os lenços e aventais de Paulo não passaram pela
imposição de mãos do apóstolo antes de serem levados
aos doentes e endemoninhados. O que dava "poder" àqueles objetos era o
fato de que pertenciam, ou foram manipulados, por pessoas sobre quem o poder de
Deus repousava de forma extraordinária.
A conclusão inescapável é que não existe
qualquer fundamento bíblico para que, hoje, unjamos e abençoemos
objetos com o propósito de transmitir, através deles, uma medida
do poder de Deus. Mais uma vez repito: creio que Deus faz milagres hoje. Creio
que ele poderia usar o que quisesse para fazer isso. Entretanto, creio
também que Deus nos revela em Sua Palavra os seus caminhos e seus meios
de agir, para que não sejamos iludidos pelo erro religioso. E se vamos
usar as Escrituras como regra da nossa prática, bem como critério
para discernirmos a verdade do erro, acabaremos por rejeitar a idéia de
que, pela oração e unção, determinados objetos
repassam uma bênção de Deus aos seus possuidores.
Objetos que Trazem
Maldição
Tratemos agora de outro ensino ainda relacionado com o uso de objetos no
campo religioso. Segundo adeptos do movimento de "batalha espiritual", objetos
utilizados em qualquer forma de magia, ocultismo ou religião
idólatra ficam impregnados de emanações malignas, como se
demônios de fato residissem nos mesmos. Para usar a linguagem de alguns do
movimento, esses objetos estariam "demonizados". Esse conceito é similar
ao praticado na magia. Objetos magicamente "carregados" são considerados
como transmissores do poder da mágica que representam, e afetam aos que
os tocam.
Portanto, caso um cristão venha a ter em sua casa, escritório
ou local de trabalho, qualquer um desses objetos, estará dando
ocasião para que os demônios (as verdadeiras entidades espirituais
associadas com esses objetos) prejudiquem sua vida material e espiritual. A
idéia é que objetos como ídolos, imagens, esculturas,
quadros e fotos se tornam pontos de contato para os demônios, que sempre
estão procurando materializar-se através de alguma coisa e assim
atormentar os homens.(5) Admitir tais coisas dentro de casa, seria convidar os
demônios a entrar e nos atormentar. Nas palavra de Jorge
Linhares,
Não basta que abençoemos os nossos bens, nossos pertences.
precisamos verificar se não temos permitido adentrar em nosso lar objetos
que são por natureza amaldiçoados – objetos que temos de
lançar fora e de preferência, queimar ou destruir.(6)
Uma outra coisa que segundo o pensamento da "batalha espiritual" permite a
entrada de demônios na vida da pessoa é o ingerir comidas
"trabalhadas" em centros de umbanda. Num capítulo entitulado "Como os
demônios se apoderam das pessoas", do livro Orixás, Caboclos
& Guias, Edir Macedo inclui comidas sacrificadas a ídolos como um
desses meios. Ele conta o caso de um homem que ingeriu uma comida "trabalhada" e
foi atacado por um espírito maligno que o fazia sofrer do estômago.
Ele conclui dizendo, "Todas as pessoas que se alimentam dos pratos vendidos
pelas famosas ‘baianas’ estão sujeitas, mais cedo ou mais
tarde a sofrer do estômago."(7)
Mark Bubeck, que ficou conhecido no Brasil por seu livro O
Adversário, escreveu recentemente um outro livro sobre como podemos
criar nossos filhos em meio aos constantes ataques que os demônios fazem
ao nosso lar. Ao fim do livro, Bubeck adicionou um apêndice, contendo
questionários cujas perguntas procuram levar os leitores a descobrir as
portas pelas quais têm permitido aos demônios entrarem no lar e
atacar os filhos. Uma das portas é a presença em casa de objetos
amaldiçoados, como amuletos, fetiches e talismãs, livros sobre
ocultismo, bruxaria, astrologia, mágica, adivinhação, e
utensílios ou objetos usados em templos pagãos, rituais de
feitiçaria, ou ainda na prática da adivinhação,
mágica ou espiritismo. A sugestão de Bubeck é que a
presença dessas coisas no lar permite aos demônios que penetrem na
casa e atormentem os filhos.(8)
Uso de objetos no
paganismo
A lista de Bubeck é bem modesta. Os objetos considerados
"amaldiçoados" por muitos cristãos são via de regra aqueles
usados nas religiões afro-brasileiras, nas práticas ocultas e no
catolicismo popular. Nas religiões populares que empregam artes
mágicas e práticas ocultas, objetos religiosos desempenham
importante papel no culto e na fé dos participantes. São usados,
por exemplo, em despachos e trabalhos feitos pelos pais-de-santos da umbanda.
Objetos como o sal grosso, a rosa ungida, a água fluidificada, fitas e
pulseiras especiais (como a do chamado "Senhor" do Bonfim) e ramos de arruda
são bastante populares. Ainda podemos incluir talismãs e amuletos
do tipo "pé-de-coelho". Para não mencionar ainda os fetiches
usados na magia e no candomblé, as relíquias e imagens do
catolicismo popular.(9) Na feitiçaria, velas coloridas são usadas
para evocar vibrações energéticas das cores e promover
transformações pessoais. Amuletos são empregados na
proteção contra maus espíritos. Ainda são usados
óleos especiais, incensos, cremes, pó, cristais, pirâmides,
pêndulos, pulseiras, brincos e pendentes, colares contendo saquinhos com
fórmulas mágicas e encantamentos, e muito mais.(10) As
gárgulas (imagens de animais grotescos) são freqüentemente
associadas com demônios.(11) Esses objetos são ungidos, benzidos,
abençoados, purificados, fluidificados com o objetivo de passar ao seu
possuidor alguma espécie de poder ou proteção. Ou ainda,
são usados em rituais de magia associados com encantamentos,
feitiços, despachos e trabalhos espirituais em geral. Em alguns casos,
esses objetos são associados com os nomes das entidades espirituais aos
quais são dedicados.(12)
Maldições trazidas por
objetos consagrados a demônios
Como dissemos acima, para os aderentes do movimento de batalha espiritual a
ingestão, a posse e mesmo o contato com coisas que foram oferecidas e
consagradas aos demônios trazem maldição aos crentes. Um
caso sempre mencionado é o do missionário que, ao regressar ao seu
país de origem, trouxe da tribo africana onde trabalhava um pequeno
fetiche (objeto usado nos rituais religiosos) como recordação. O
missionário, evidentemente, não tinha qualquer atitude religiosa
para com o objeto, como os africanos; trouxe-o apenas como lembrança, um
souvenir. O fetiche foi colocado na estante da sala, em sua casa.
Não muito tempo depois, sua filha ficou doente. Sua
situação financeira foi de mal a pior. Havia uma "opressão
espiritual" no ar, dentro da casa. Nada mais dava certo. Vozes e ruídos
eram por vezes ouvidos à noite. Um dia, uma profetiza de uma igreja
carismática veio visitar a família. Dirigiu-se imediatamente
à estante onde estava o fetiche. Sem hesitar, declarou que a casa estava
amaldiçoada por causa do objeto. Era preciso quebrar a
maldição. Os passos necessários seriam: confissão do
pecado de trazer para casa um objeto amaldiçoado, a quebra do mesmo e a
total renúncia dos laços com os espíritos malignos. Esses
laços haviam sido estabelecidos, mesmo inconscientemente, no momento que
o missionário trouxe o objeto para dentro de casa. Os demônios
adquiriram a autoridade de invadir a casa e oprimir seus moradores.
Timothy Warner conta a história de uma estudante crente, por
natureza uma pessoa bem ativa e enérgica, que começou a ficar mais
e mais deprimida, tendo dificuldade em dormir e estudar, durante seus estudos de
francês, em preparação para o trabalho missionário na
África. Um missionário descobriu, após examinar o
dormitório onde ela morava, que o ocupante anterior havia escondido no
mesmo diversos objetos ocultistas. Warner então explica: "alguns dos
demônios associados com os objetos haviam se apegado ao quarto e à
mobília". O missionário orou determinando aos demônios que
fossem embora, e a moça pode voltar a dormir normalmente.(13)
O pressuposto por detrás desse tipo de relato é que esses
objetos abrem a porta para os demônios, visto que foram consagrados a eles
nos rituais de magia e ocultismo, e mesmo no catolicismo. O fato de que uma
pessoa é crente não evitará que seja oprimida pelos
espíritos associados a objetos deste tipo.
Existem algumas dificuldades com esse conceito. No que se segue, vamos
explicar algumas delas.
1) O conceito da habitação de demônios em objetos
físicos. Warner conta a história de uma família de
missionários nas Filipinas cujo filho era assediado por um demônio
que morava numa árvore do jardim da casa onde moravam.(14) O conceito de
entidades espirituais morando em árvores remonta à mitologia grega
e ao paganismo em geral. As Escrituras desconhecem esse conceito e falam dos
demônios como atuando especificamente em seres vivos, humanos ou animais.
Entretanto, é comum lermos na literatura do movimento de "batalha
espiritual" que espíritos malignos podem habitar em coisas como
árvores, imagens, objetos, casas, etc.
Às vezes Apocalipse 18.2 é citado como prova de que
demônios podem morar em lugares amaldiçoados:
Então, exclamou com potente voz, dizendo: Caiu! Caiu a grande
Babilônia e se tornou morada de demônios, covil de toda
espécie de espírito imundo e esconderijo de todo gênero de
ave imunda e detestável.
Aqui temos o anúncio da queda de Babilônia feito por um anjo
de Deus. Notemos, porém, o seguinte, antes de concluirmos que o texto
prova que demônios moram em ruínas! (1) A passagem é
evidentemente alegórica. Nos dias de João, Babilônia
já não mais existia. (2) João está citando Jeremias
50.39 e Isaías 13.21. Esses dois profetas referem-se à queda e
destruição da cidade de Babilônia que existiu em seus dias.
A desolação que lhe haveria de sobrevir, como resultado do castigo
divino, ia ser tão grande, que a grande cidade, outrora populosa e
opulenta, iria se tornar em um grande montão de ruínas. Com o
propósito de enfatizar a desolação, os profetas descrevem
as ruínas como sendo habitadas por feras e animais do deserto: chacais,
avestruzes, corujas e hienas. A Septuaginta, ao traduzir o texto hebraico de
Isaías 13.21, traduziu "bodes" por "demônios".(15) O
apóstolo João, ao citar essas passagens e aplicá-las
figuradamente à Babilônia espiritual, o reino das trevas que
será destruído por Cristo, acrescenta, além dos animais
mencionados pelos profetas, os demônios e espíritos imundos,
seguindo a tradução da Septuaginta (Ap 18.2). (3) Evidentemente, a
passagem não está dizendo que essas entidades habitam em
ruínas de cidades. Seu sentido óbvio é que Deus entrega a
humanidade ímpia e endurecida que o rejeita à
desolação espiritual e aos demônios. (4) Lembremos ainda que
o Senhor Jesus ensinou que os espíritos imundos não encontram
repouso em lugares áridos (Mt 12.43-45). A conclusão é que
não existe argumentos bíblicos suficientes para provar que
espíritos imundos moram e habitam em coisas como objetos, casas,
árvores, etc.
2) O estabelecimento de um pacto com esses demônios pela posse de
objetos a eles consagrados. Nenhum adepto do movimento de "batalha
espiritual" estaria disposto a admitir que um incrédulo entra em algum
tipo de pacto ou concerto com Deus simplesmente por ter uma Bíblia em
casa, ou mesmo por ter participado inadvertidamente da Ceia do Senhor numa
igreja evangélica. Entretanto, está pronto a afirmar que
cristãos verdadeiros podem ser atacados, amaldiçoados e
demonizados se tiverem em casa livros sobre ocultismo ou objetos ocultistas,
para com os quais não tenha nenhuma atitude religiosa. É
óbvio que a simples posse desses objetos não nos expõe a
ataques satânicos da mesma forma que a posse de uma Bíblia
não expõe um incrédulo às investidas do
Espírito Santo, a não ser que abra suas páginas e comece a
ler, com seu coração aberto e desejoso de aprender as coisas de
Deus.
3) Uma outra dificuldade é o conceito de que crentes, que nem
estão conscientes de que esses objetos foram usados em rituais
ocultistas, possam ser oprimidos pelos demônios associados com esses
objetos. Não é suficiente escutarmos os relatos e as
experiências, como a do missionário acima. Como já
insistimos em quase cada capítulo desse livro, por mais sérias e
válidas que sejam, experiências não podem servir como
autoridade final nessa questões. É preciso examinar as Escrituras,
seguindo as regras simples de interpretação, que procuram deixar o
texto sagrado falar livremente. E o que encontramos nelas pode ser resumido nas
palavras de Balaão, falando pelo Espírito de Deus: "Pois contra
Jacó não vale encantamento, nem adivinhação contra
Israel" (Nm 23.23).
Coisas amaldiçoadas na
Bíblia
É preciso reconhecer que, para alguns defensores da "batalha
espiritual", existe suficiente apoio na Bíblia para defender o conceito
de maldição através de objetos. Examinemos os dois
principais argumentos.
1) Passagens que condenam o uso de amuletos. É defendido que
os pendentes de ouro que as mulheres israelitas traziam nas orelhas, ao sair do
Egito, e com os quais se fez o bezerro de ouro, eram amuletos (Ex 32.2-4), bem
como as arrecadas (brincos) que Jacó arrancou das orelhas da sua
família, junto com os ídolos (Gn 35.1-4).(16) O uso de
cordões ou cadeias com pendentes é chamado pelo profeta
Oséias de "adultério entre os peitos" (Os 2.2). A atitude das
Escrituras em relação a esses objetos é de
condenação e rejeição. O profeta Isaías, ao
condenar a vaidade do vestuário das mulheres israelitas, faz
referência às luetas que elas traziam em seu pescoço (Is
3.18). Eram cordões ou cadeias de ouro com o símbolo da lua
crescente, usados para proteger contra maus espíritos. Esse era um
costume pagão. Eles usavam amuletos assim até mesmo no
pescoço de camelos (Jz 8.21,26).
É preciso notar, entretanto, que condena-se não tanto o uso
em si desses objetos, mas a atitude religiosa que os israelitas tinham
para com eles. Eles o usavam conscientemente como amuletos protetores, como
fetiches mágicos, como se fossem encantamentos contra maus
espíritos. Foi contra essa prática de magia e ocultismo que os
profetas falaram. Evidentemente, ter objetos desse tipo em casa pode não
ser conveniente ao cristãos por vários motivos (veja a
conclusão desse capítulo). Entretanto, se eles não
têm qualquer sentido, significado ou relação religiosos, o
cristão não se enquadra na condenação emitida pelos
profetas.
2) Passagens que condenam imagens. Existem inúmeras passagens
nas Escrituras que condenam a idolatria, isso é, o ato de prestar culto
à imagens bem como às realidades espirituais que elas representam.
Um fator que contribui significativamente para essa condenação
é a relação entre a idolatria e os demônios. Nos
tempos antigos, mágica, adivinhação, feitiçaria,
bruxaria e necromancia (invocação de mortos) estavam tão
intimamente ligados à idolatria, que era quase impossível separar
uma coisa da outra. Moisés identifica os deuses pagãos com
demônios (Dt 32.17; cf. Sl 106:36-37). O mesmo faz Paulo (1 Co 10.19-20) e
o apóstolo João (Ap 9.20). Acredito que o mesmo é verdade
ainda hoje. Por detrás da moderna idolatria estão os antigos
demônios.
Entretanto, mais uma vez é preciso observar que as Escrituras
condenam propriamente o confeccionar e possuir imagens de entidades pagãs
com propósito religioso:
Não terás outros deuses diante de mim. Não
farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do
que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas
águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes
darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que
visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e
quarta geração daqueles que me aborrecem e faço
misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e
guardam os meus mandamentos (Ex 20.3-6).
Os puritanos entenderam esse mandamento como determinando que nos
livrássemos, se possível, de todos os monumentos à
idolatria, e proibindo o culto a imagens representativas de Deus ou de falsos
deuses e o possuir supersticiosamente artigos ou objetos.(17) A
preocupação sempre é contra a idolatria em si. O
mandamento contra a idolatria não dever ser entendido como proibindo
esculturas, representações, quadros e outros objetos
artísticos em geral. O fato de que o culto a Deus deve ser em
Espírito (Jo 4.24) não quer dizer, nem mesmo, que Deus
proíba a confecção de objetos representativos de realidades
espirituais. Ele próprio determinou que os israelitas fizessem imagens de
ouro de querubins, que deveriam ser colocadas sobre a tampa da arca, o
propiciatório (Ex 25.18-20). Noutra ocasião, mandou que
Moisés fizesse uma serpente de bronze (Nm 21.8-9). Ela foi mais tarde
destruída somente por que os israelitas passaram a adorá-la,
provavelmente como uma relíquia provinda dos tempos de Moisés (2
Re 18.4). O motivo pelo qual o Senhor determinou que os israelitas
destruíssem totalmente as imagens dos deuses cananitas, ao se apossarem
da terra, foram evitar que os israelitas fossem atraídos à
idolatria (Dt 7.1-5) e evitar a cobiça para com o ouro e a prata que
revestiam essas imagens. Por esses motivos, não deveriam meter esses
ídolos dentro de suas casas, pois eram amaldiçoados por
Deus e representariam uma tentação para praticarem a idolatria
(Dt 7.25-26). Mais uma vez percebemos que é o perigo da idolatria que o
Senhor queria prevenir. As imagens em si mesmo nada eram.
Preciso reiterar minha convicção de que os cristãos
deveriam evitar possuir qualquer objeto relacionado com a idolatria e
práticas ocultas. Entretanto, acredito que isso deve ser feito pelas
razões corretas e não por mera superstição e
crendice.
Atos 19 e a quebra de
maldições de objetos
Talvez a passagem mais citada para justificar a quebra de
maldições desses objetos seja Atos 19.18-19:
Muitos dos que creram vieram confessando e denunciando publicamente as suas
próprias obras. Também muitos dos que haviam praticado artes
mágicas, reunindo os seus livros, os queimaram diante de todos.
Calculados os seus preços, achou-se que montavam a cinqüenta mil
denários.
As "artes mágicas" no mundo antigo incluíam a
adivinhação, o exorcismo, o uso de fórmulas secretas, a
conjuração e a invocação dos mortos, pactos com
entidades espirituais, encantamentos e rituais com o objetivo de ganhar o favor
dos espíritos. Essas coisas eram usadas tanto para atingir e ferir
inimigos quanto para curar doentes. Elas são bastante populares ainda
hoje.
Havia muitos magos e bruxos no mundo do século I, na época de
Jesus e dos apóstolos. Um exemplo é Simão Mago, que iludia
o povo de Samaria com artes mágicas (At 9.9). A cidade de Éfeso,
por sua vez, era um conhecido centro dessas artes. Ali, no início do
reinado de Nero, um homem chamado Apolônio Tianeo abriu uma escola e
ensinava artes mágicas e coisas do gênero. Taciano, em sua obra
Contra Graecos, menciona que a deusa Diana dos efésios era
considerada como sendo praticante de magia.
Lemos em Atos 19 que os ex-adeptos da magia em Éfeso que haviam se
convertido ao cristianismo pela pregação de Paulo, queimaram seus
livros publicamente. Esses "livros" eram obras onde se ensinava a prática
dessas artes. Continham encantamentos, símbolos secretos e
mágicos, passos para a invocação de mortos e métodos
para esconjurar demônios. Provavelmente continham tabelas e
fórmulas essenciais para a prática da astrologia. Os "Papiros
Mágicos", encontrados no Egito na década de 50 desse
século, continham pedaços de pergaminhos com símbolos e
fórmulas mágicas chamados "cartas de Éfeso", que eram
usados como amuletos ou talismãs.(18)
É alegado por alguns da "batalha espiritual" que a queima dos livros
de magia em Éfeso foi necessária pois a posse de tais livros
continuaria a dar validade aos pactos feitos pelos efésios com entidades
malignas e a dar autoridade a essas entidades sobre suas vidas, mesmo que eles
agora se tornaram cristãos. Queimar os livros fazia parte da quebra das
maldições que pesavam sobre eles por terem praticado artes
mágicas antes da sua conversão. Na cerimônia da queima dos
livros, eles renunciaram publicamente a todos esses compromissos e pactos que
fizeram com os espíritos malignos.
Evidentemente, a queima dos livros de magia representou o rompimento
oficial e público dos efésios crentes com seu passado de
ocultismo. Entretanto, nada há no texto que apoie a idéia de que o
evento foi uma espécie de cerimônia de quebra de
maldições. A queima dos livros foi o resultado da
consciência que os efésios agora tinham de que tais artes
mágicas era iniquidade diante de Deus, e que os livros que ensinavam essa
coisas eram perniciosos à humanidade e que, por mais caros que fossem
(cerca de cinqüenta mil moedas de prata), deveriam ser destruídos
para não causar mais danos a outros. O verso 19 que narra a queima dos
livros deve ser entendido à luz do verso 18, onde se diz que os
efésios vieram confessar seus pecados e revelar as suas obras más.
A queima dos livros foi uma amostra de seu genuíno
arrependimento.
Comentando nessa passagem, John Gill, um estudioso puritano, diz o
seguinte:
Eles queimaram seus antigos livros de mágica para mostrar o quanto
agora os detestavam. Também, para mostrar a genuinidade de seu
arrependimento pelos pecados cometidos nessa área, para evitar que esses
livros não se tornassem uma armadilha para eles no futuro e para que
não fossem usados por outros.(19)
Os livros, portanto, não foram queimados porque possuíam
qualquer poder maléfico intrínseco em si mesmos. Os motivos
mencionados por Gill para a queima estão em harmonia com o ensino das
Escrituras em geral, com o bom senso e com o que tem sido a prática
normal da Igreja na história, além de ser a
interpretação mais natural e óbvia da passagem.(20)
Existe ainda um outro motivo para a queima dos livros. Uma parte essencial
da prática de artes mágicas daquela época era o
exorcismo, a expulsão de espíritos malignos. Acreditava-se
(como também se acredita hoje em alguns círculos protestantes) que
todas as doenças – particularmente as mentais – eram causadas
por espíritos maus que entravam nos homens. Grande parte do trabalho dos
exorcistas era tentar curar essas doenças pela expulsão dos
espíritos maus que as infligiam. Nos seus livros mágicos haviam
fórmulas especiais para esconjurar esses espíritos.
Quando Paulo chegou em Éfeso, duas coisas aconteceram que vieram
contribuir para a queima dos livros: (1) Ele curou as enfermidades e expulsou
demônios usando apenas o nome de Jesus (At 19.11-12), em contraste com os
rituais elaborados e complicados dos exorcistas da época, como se
encontravam nos livros; (2) quando alguns exorcistas tentaram usar o nome de
Jesus e de Paulo para expelir um demônio de um homem, fracassaram
redondamente. O próprio demônio atestou a autoridade que havia no
nome de Jesus (At 19.13-16).(21) É possível que alguns dos
efésios que haviam se convertido ainda mantinham algum tipo de contato
com artes mágicas. O episódio dos exorcistas acabou por
convencê-los. Ficou evidente a todos que a mágica ensinada nos
livros não passava de fórmulas vazias e inúteis. Como
escreve Marshall,
A demonstração da futilidade das tentativas pagãs de
dominarem os espíritos maus levou muitos dos convertidos efésios
de Paulo a reconhecerem que a magia pagã, com a qual ainda tinham
contatos, era tão inútil quanto pecaminosa. Como
conseqüência, trouxeram os vários manuais de magia e as
compilações de invocações e fórmulas que
ainda tinham, e fizeram com eles um rompimento final.(22)
O verdadeiro poder contra Satanás estava apenas no nome de Jesus. A
queima dos livros, portanto, foi um testemunho do poder inigualável de
Jesus Cristo sobre as obras das trevas. Somente ele era o Senhor. Quanto a isso,
os efésios cristãos não tinham mais qualquer
dúvida.
O ensino de Paulo sobre coisas
sacrificadas a demônios
Examinemos, agora, 1 Coríntios 8-10, a passagem da Bíblia que
aborda de forma mais direta e clara a questão que estamos discutindo.
Nesses capítulos, o apóstolo Paulo trata da atitude dos
cristãos para com a carne de animais sacrificados como oferendas aos
deuses pagãos. A questão que Paulo tratou nessa passagem era bem
complexa. Os cristãos em Corinto (bem como nas demais cidades do mundo
greco-romano) sempre corriam o risco de comer esse tipo de carne. O
sacrifício de animais e o consumo da sua carne fazia parte do ritual
religioso nos templos pagãos da época. Corinto não era
exceção.
Modernamente, podemos nos referir ao caso das comidas "trabalhadas" nos
terreiros de umbanda. De acordo com as crenças do candomblé,
umbanda e quimbanda, os orixás exigem comidas variadas, que devem ser
preparadas de acordo com rituais apropriados. Por exemplo, Exú gosta de
cebola e mel entregues no mato com velas acesas e aguardente. Ogum gosta de
feijoada, xinxim, acarajé e milho branco. Oxóssi, de peixe de
escamas, arroz, feijão e dendê.(23) Essas comidas são feitas
de acordo com as indicações dos demônios e a eles
oferecidas. Para muitos cristãos, é uma questão aguda se
algum mal vai lhes ocorrer se acabarem por ingerir uma comida que foi
"trabalhada". Os coríntios estavam perturbados por um problema similar.
Eles escreveram uma carta a Paulo com várias perguntas, entre elas, se
era lícito comer carne de animais que haviam sido consagrados aos deuses
pagãos.(24) Os coríntios tinham em mente três
situações:
1. Era lícito participar de um festival religioso num templo
pagão e comer a carne dos animais sacrificados aos deuses? Na
antigüidade, o sacrifício de animais aos deuses fazia parte da vida
pessoal, familiar e social. O sacrifício ocorria nos templos e a carne do
animal sacrificado era dividida em três partes. Uma parte, geralmente
simbólica (podendo ser até uma mecha dos pelos!), era queimada no
altar em homenagem aos deuses. A segunda parte, incluindo costelas e
músculos, ia para o sacerdote. A terceira parte ficava com o ofertante, e
com ela, oferecia um banquete, geralmente em casamentos. Muitas vezes, essas
festas ocorriam no templo, no qual o sacrifício fora feito.(25) Os
crentes de Corinto certamente mantinham relacionamentos com amigos
não-crentes, e sempre havia a possibilidade de serem convidados a
participar de uma destas festas no templo, onde havia muita carne e bebida.
Alguns daqueles cristãos não tinham quaisquer escrúpulos de
consciência em participar e comer carne dos ídolos no templo dos
ídolos, uma atitude que estava provocando os de consciência mais
fraca.
2. Era lícito comer carne comprada no mercado público?
A carne ali comprada poderia ser de animais sacrificados aos deuses, cujo
excedente dos altares havia sido repassado pelos sacerdotes aos
açougueiros da cidade. Devido à enorme quantidade de animais
sacrificados, uma parte deles acabava no mercado público, onde eram
vendidos como carne boa e barata.
3. Era lícito comer carne na casa de um amigo
idólatra? Como na situação anterior, um crente poderia
ser convidado por um amigo pagão para comer um churrasco em sua casa. A
carne provavelmente seria de um animal que o amigo havia primeiro consagrado ao
seu deus, lá no templo. Um papiro grego muito antigo contém um
convite para uma dessas festas, nos seguintes termos: "Antônio, filho de
Ptolomeu, convida-o para cear com ele à mesa de nosso senhor
Serápis."(26) Quem quer que tenha sido o convidado, ele sabia que ao
sentar-se à mesa de Antônio, estaria comendo carne de um animal que
havia sido sacrificado ao deus Serápis.
A questão aguda era se um crente poderia comer carne em Corinto,
correndo assim o risco de contaminar-se. William Barclay, um autor bastante
conhecido e citado, sugere que o problema era a crença, muito difundida
na antigüidade, de que os demônios estavam sempre procurando uma
brecha para entrar nos homens, para destruir seus corpos e mentes. Uma das
maneiras pela qual faziam isso era através da comida. Tais
espíritos se alojavam na comida e quando a pessoa a engolia, os
demônios entravam nela. Por esse motivo, diz Barclay, as pessoas
consagravam os alimentos – especialmente a carne – a algum deus bom.
Acreditava-se que a presença de um deus bom na carne formava uma barreira
contra os maus espíritos.(27)
O assunto dos sacrifícios de animais aos deuses é bem
complexo, e não poucos estudiosos discordariam de Barclay. Essa
não parece ser a razão primordial pela qual os pagãos
consagravam comida aos seus deuses. Sacrifícios eram praticados nas
religiões de quase todas culturas antigas, e no geral, visavam honrar uma
divindade, apaziguá-la ou santificar a oferta. Em algumas destas
culturas, os sacrifícios estavam relacionados com o culto aos ancestrais,
alimentar os deuses e mesmo "comer os deuses".(28) Paulo, ao discutir o assunto,
em momento algum sugere que haveria o risco de demônios penetrarem mesmo
naqueles que comessem a carne consagrada aos demônios nos próprios
templos dos deuses pagãos. A questão que incomodava os
coríntios não era se estariam comendo demônios, mas se
não estariam participando direta ou indiretamente do culto ao
ídolo. Note ainda que quem introduz o conceito de que os demônios
estão por detrás da idolatria é Paulo. Provavelmente os
coríntios nem estavam pensando nesses termos. A explicação
de Barclay, portanto, é menos do que convincente.(29)
Os crentes de Corinto estavam divididos quanto ao assunto. Um grupo deles
estava passando por grande aflição. Eram ex-freqüentadores
dos templos, recém convertidos ao Evangelho. Por vezes, acabavam caindo
no velho costume de comer carne, encorajados pelo exemplo dos que achavam que
não havia nada de errado com isso. Como resultado, suas
consciências os acusavam: eles haviam acabado de consumir carne
espiritualmente contaminada, consagrada aos demônios em um templo
pagão. Paulo, no tratamento que faz do assunto, considera-os como
"fracos", pois suas consciências eram "fracas" (1 Co 8.7,9-12). O grupo
contrário, a quem Paulo chama de "dotados de saber" (1 Co 8.10), tinha
já plena consciência de que os ídolos dos templos
pagãos nada eram nesse mundo, e que os animais a eles ofertados, na
verdade, continuavam a ser de Deus, o criador e Senhor de todas as coisas.
Assim, sentiam-se livres para comer carne, até mesmo nos festivais
pagãos nos templos. Os "fracos", estimulados por esse exemplo, tentavam
usar da mesma liberdade, mas com resultados desastrosos – suas
consciências não eram fortes o suficiente para permitir que
comessem carne livremente.
O problema parece que girava em torno de duas questões. Primeira, a
relação entre os animais e os deuses, diante de cujas imagens os
animais eram consagrados, oferecidos e sacrificados. A carne desses animais
continuava a "pertencer" aos deuses após o ritual no templo, quando
estava pendurada no açougue público para ser vendida? Quem comesse
dessa carne estaria, mesmo de forma inconsciente, fazendo um pacto com os
deuses? Segunda, comer essa carne não implicaria numa espécie de
participação à distância dos crentes na
adoração pagã e no culto aos deuses? Não
deveríamos evitar a todo custo aquilo que tem relação com
os cultos idólatras?
As respostas de Paulo são surpreendentes. O apóstolo concorda
com os "fortes" quanto ao conhecimento de que Deus é o Senhor de tudo e
que não há outros deuses ou senhores (1 Co 8.4-6). Mas condena a
falta de amor dos "fortes" para com os "fracos" (1 Co 8.9-13). Deveriam limitar
sua liberdade pela consideração à consciência dos
outros. Após dar o exemplo de como abriu mão dos seus direitos
como apóstolo de receber sustento por amor do Evangelho (1
Coríntios 9), e após alertar os "fortes" contra a
arrogância, usando o exemplo de Israel no deserto (1 Co 10.1-15), Paulo
responde às três principais indagações dos
Coríntios já mencionadas acima.
O fato de que Paulo não invoca aqui a decisão do
concílio de Jerusalém (Atos 15) para resolver o assunto de vez tem
intrigado os estudiosos. Conforme lemos no livro de Atos, o concílio
havia se reunido para tratar das condições sob as quais os
não-judeus poderiam ser salvos e recebidos na Igreja. A polêmica
havia sido causada por alguns judeus cristãos da Judéia que foram
até as igrejas gentílicas forçar os gentios a se
circuncidarem, e a guardar as leis de Moisés (naquela época, as
mais importantes eram as leis dietárias e o calendário religioso).
Paulo e Barnabé resistiram e houve uma grande discussão. O assunto
foi levado aos apóstolos e presbíteros em Jerusalém. Alguns
fariseus que haviam crido em Cristo insistiam na circuncisão e nas leis
de Moisés para os gentios, mas Paulo, Pedro e Tiago, através de
seus testemunhos e do apelo às Escrituras, convenceram o concílio
de que os gentios eram salvos pela fé sem as obras da lei (como
também os judeus o eram), e que não precisavam se tornar judeus
para poder pertencer à Igreja de Cristo. O concílio, entretanto,
em sua decisão, resolveu incluir algumas condições
éticas, entre elas, a de os gentios se absterem das coisas sacrificadas
aos ídolos (At 15.29).
O concílio havia acontecido uns poucos antes de Paulo escrever 1
Coríntios. O apóstolo estava perfeitamente consciente do
conteúdo da sua decisão. A pergunta é, por que não
invocou aquela decisão para acabar de vez com o problema em Corinto?
Algumas respostas tem sido dadas. Peter Wagner, por exemplo, sugere que Paulo
não havia ficado satisfeito com essa decisão, considerando-a
inadequada e superficial. Para Wagner, a decisão do concílio havia
sido equivocada por tratar o comer carne sacrificada aos ídolos como algo
imoral, quando na verdade era algo neutro.(30) Entretanto, a
melhor solução tem sido observar que as condições
éticas requeridas pelo concílio eram para ser observadas num
ambiente onde houvesse judeus e gentios. Eram regras a ser seguidas pelos
gentios cristãos numa igreja onde houvesse judeus cristãos. Elas
não eram uma lei moral geral e válida em todas as
circunstâncias, mas uma orientação para quando a
abstinência se fizesse necessária para preservar a unidade,
conforme sugere Calvino em seu comentário em Atos 15.
A situação de Corinto era diferente. O problema lá
não era o mesmo tratado no concílio de Jerusalém. O
problema não era os escrúpulos de judeus cristãos ofendidos
pela atitude liberal de crentes gentios quanto à comida oferecida aos
ídolos. Portanto, a solução de Jerusalém não
servia para Corinto. É provavelmente por esse motivo que o
apóstolo não invoca o decreto de Jerusalém.(31) Antes,
procura responder às questões que preocupavam os coríntios
de acordo com o princípio fundamental de que só há um Deus
vivo e verdadeiro, o qual fez todas as coisas; que o ídolo nada é
nesse mundo; e que fora do ambiente do culto pagão, somos livres para
comer até mesmo coisas que ali foram sacrificadas.
1. A primeira pergunta dos coríntios havia sido: era
lícito participar de um festival religioso num templo pagão
e ali comer a carne dos animais sacrificados aos deuses? Não,
responde Paulo. Isso significaria participar diretamente no culto aos
demônios onde o animal foi sacrificado (1 Co 10.16-24). Paulo havia dito
que os deuses dos pagãos eram imaginários (1 Co 10.19). Por outro
lado, ele afirma que aquilo que é sacrificado nos altares pagãos
é oferecido, na verdade, aos demônios e não a Deus (10.20).
Paulo não está dizendo que os gentios conscientemente ofereciam
seus sacrifícios aos demônios. Obviamente, eles pensavam que
estavam servindo aos deuses, e nunca a espíritos malignos e impuros.
Entretanto, ao fim das contas, seu culto era culto aos demônios.
(32) Paulo está aqui refletindo o ensino bíblico do Antigo
Testamento quanto ao culto dos gentios:
Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a Deus...
(Dt 32.17).
...pois imolaram seus filhos e suas filhas aos
demônios (Sl 106.37).
O princípio fundamental é que o homem não regenerado,
ao quebrar as leis de Deus, mesmo não tendo a intenção de
servir a Satanás, acaba obedecendo ao adversário de Deus e fazendo
sua vontade. Satanás é o príncipe desse mundo. Portanto,
cada pecado é um tributo em sua honra. Ao recusar-se a adorar ao
único Deus verdadeiro (cf. Rm 1.18-25), o homem acaba por curvar-se
diante de Satanás e de seus anjos.(33) Para Paulo, participar nos
festivais pagãos acabava por ser um culto aos demônios. Por esse
motivo, responde que um cristão não deveria comer carne no templo
do ídolo. Isso eqüivaleria a participar da mesa dos demônios,
o que provocaria ciúmes e zelo da parte de Deus (1 Co 10.21-22). Paulo
deseja deixar claro para os coríntios "fortes", que não tinham
qualquer intenção de manter comunhão com os demônios,
que era a atitude deles em participar nos festivais do templo que contava ao
final. Era a força do ato em si que acabaria por estabelecer
comunhão com os demônios.(34)
2. Era lícito comer carne comprada no mercado público?
Sim, responde Paulo. Compre e coma, sem nada perguntar (1 Co 10.25). A carne
já não está no ambiente de culto pagão. Não
mantém nenhuma relação especial com os demônios,
depois que saiu de lá. Está "limpa" e pode ser
consumida.
3. Era lícito comer carne na casa de um amigo
idólatra? Sim e não, responde Paulo. Sim, caso
não haja, entre os convidados, algum crente "fraco" que alerte sobre a
procedência da carne (1 Co 10.27). Não, quando isso ocorrer
(1 Co 10.28-30).
O ponto que desejo destacar é que para o apóstolo Paulo a
carne que havia sido sacrificada aos demônios no templo pagão
perdia a "contaminação espiritual" depois que saia do ambiente de
culto. Era carne, como qualquer outra. É verdade que ele condenou a
atitude dos "fortes" que estavam comendo, no próprio templo, a carne
sacrificada aos demônios. Mas isso foi porque comer a carne ali era parte
do culto prestado aos demônios, assim como comer o pão e beber o
vinho na Ceia é parte de nosso culto a Deus. Uma vez encerrado o culto, o
pão é pão e o vinho é vinho. Aliás,
continuaram a ser pão e vinho, antes, durante e depois. A mesma coisa
ocorre com as carnes de animais oferecidas aos ídolos. E o que é
verdade acerca da carne, é também verdade acerca de fetiches,
roupas, amuletos, estátuas e objetos consagrados aos deuses
pagãos. Como disse Calvino,
Alguma dúvida pode surgir se as criaturas de Deus se tornam impuras
ao serem usadas pelos incrédulos em sacrifícios. Paulo nega tal
conceito, porque o senhorio e possessão de toda terra permanecem nas
mãos de Deus. Mas, pelo seu poder, o Senhor sustenta as coisas que tem em
suas mãos, e, por causa disto, ele as santifica. Por isso, tudo que os
filhos de Deus usam é limpo, visto que o tomam das mãos de Deus, e
de nenhuma outra fonte.(35)
CONCLUSÃO
Ao fim desse capítulo, espero ter dado evidências claras de
que não há como justificar hoje a prática no culto
cristão de ungir e abençoar objetos, quaisquer que forem os
propósitos. Também, que não há como provar
biblicamente que objetos usados e consagrados aos demônios nos cultos
idólatras e ocultistas têm algum poder especial de
"amaldiçoar" os crentes verdadeiros que os tocam, ingerem, usam ou acabam
por possui-los fora do contexto de adoração e
devoção a essas entidades.
Devemos sempre nos lembrar da diferença fundamental entre o conceito
pagão e o conceito cristão quanto ao emprego de "coisas" com
sentido religioso. As religiões empregam objetos e utensílios em
seus cultos ou práticas como símbolos de realidades espirituais ou
portadores de poderes mágicos. O culto cristão, em contraste,
é bem mais simples. Ele emprega apenas dois símbolos materiais, a
água do batismo e os elementos da Ceia (pão e vinho). A atitude do
paganismo para com esses objetos é também diferente da atitude dos
evangélicos para com seus símbolos (batismo e Ceia). Enquanto que
para os evangélicos a água, o pão e o vinho são
símbolos que têm seu valor e sua função apenas no
momento da ministração dos sacramentos, na prática da
magia, no ocultismo, nas religiões afro-brasileiras e no catolicismo
popular, os objetos cúlticos continuam a manter uma relação
vital para com as entidades e realidades espirituais aos quais estão
associados, mesmo após a sua consagração durante os
rituais. Por exemplo, uma rosa que foi ungida continua a emanar forças
positivas mesmo após o ritual de consagração. Um amuleto
que foi "carregado" de fluidos positivos continuará a emaná-los
ad infinitum. Uma comida que foi "trabalhada" por uma mãe de santo
num terreiro de umbanda vai afetar quem a comer, fora do terreiro. Para os
evangélicos, em contraste, uma vez encerrada a Ceia, o pão
é pão comum e o vinho, vinho comum. Na verdade, eles permaneceram
sendo vinho e pão comuns durante a celebração da Ceia.
Aquele uso especial para o qual foram separados, cessa após a
celebração. Nenhum pastor pode, fora do momento da
celebração (suponhamos, durante o jantar em casa de amigos), tomar
pão e declarar: "Disse Jesus, isso é o meu corpo, comei deles
todos". Água, pão e vinho perdem sua simbologia fora do culto.
Para o paganismo, entretanto, a profunda relação entre objetos
cúlticos e as realidades e entidades espirituais associadas a eles
é permanente.
Portanto, os evangélicos que conhecem a sua Bíblia não
são superticiosos quanto a objetos oriundos de outras religiões.
Entretanto, acredito que devemos ter bastante cautela quanto a objetos assim. Eu
mesmo não guardo em casa ou no ambiente de trabalho nenhuma dessas
coisas. Não que tenha receio que elas poderão dar aos
demônios, a quem foram oferecidas, algum tipo de poder sobre mim e minha
família. Estou seguro e protegido no poder do meu Salvador Jesus Cristo.
Mas, pelas seguintes razões, que ofereço como
orientação geral quanto ao uso desses objetos:
1) Devemos evitar ter e exibir esses objetos quando os mesmos forem uma
tentação real para a idolatria ou ocultismo. Novos convertidos
egressos da idolatria e cultos afro-brasileiros poderão ser tentados a
retornar às práticas antigas, estimulados pelos símbolos do
seu passado religioso. Devemos evitar toda e qualquer possibilidade de sermos
tentados nessa área, bem, como evitar sermos causa de tropeço para
outros. Foi isso que o apóstolo Paulo recomendou aos "fortes" de Corinto
(1 Co 10.31-33).
2) Devemos evitar esses objetos se os mesmos evocam lembranças do
nosso passado. Muitos de nós gostariam de esquecer períodos e
eventos acontecidos nos tempos de ignorância. Deus nos deu a
bênção do esquecimento. Livremo-nos, pois, de tudo que
mantém vivas lembranças assim.
3) Devemos evitar esses objetos se os mesmos servirem de estímulo a
outros a que façam o mesmo, sem que estejam firmes em suas
consciências de que tais objetos, em si, nenhum mal trazem.
Notas
1 Para um estudo mais detalhado das práticas das igrejas
de libertação, veja a análise feita por Leonildo Silveira
Campos, ‘Teatro’, ‘Templo’ e ‘Mercado’:
Uma análise da organização, rituais, marketing e
eficácia comunicativa de um empreendimento neopentecostal - Igreja
Universal do Reino de Deus, tese publicada pelo Instituto Metodista de
Ensino Superior, 1996. Veja também o relatório da Comissão
de Doutrina da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre a Igreja Universal do Reino
de Deus (Igreja Universal do Reino de Deus [São Paulo: CEP, 1998]
58-61).
2 Filácterio era uma pequena caixa de couro,
quadrangular, contendo cédulas de pergaminho com passagens da Escritura,
que os judeus traziam atadas uma na cabeça e uma no braço esquerdo
durante a oração da manhã.
3 Cf. Merril Unger, Biblical Demonology (Wheaton, IL:
Scripture Press, 1952; 7a. edição, 1967) 33.
4 Os milagres operados pelo Senhor Jesus eram sinais que
apontavam para Sua pessoa e obra (Jo 20.30-21). A promessa de que seus
seguidores fariam obras similares e até maiores parece que não
incluía curas através de saliva e vestes por parte de todos os
crentes. Somente os apóstolos – e mesmo assim, somente Pedro e
Paulo – realizaram sinais similares, que por sua vez, eram sinais dos
apóstolos, visavam autenticar seu apostolado e estabelecer a mensagem (2
Co 12.12). A passagem de Marcos 16.17-18 (sem considerarmos os problemas
textuais) não se refere ao uso de objetos.
5 Essa idéia estranha é defendida por Robson
Rodovalho, Por Trás das Bênçãos e
Maldições (Brasília: Koinonia, 1995) 32. Ele conta uma
história na qual atribui a objetos amaldiçoados o poder de rachar
uma ponte do Plano-Piloto em Brasília, mesmo após a quebra de
maldições (Ibid., 33).
6 Linhares, Bênção e
Maldição, 41.
7 Cf. Edir Macedo, Orixás, Caboclos & Guias:
Deuses ou Demônios? (Rio de Janeiro: Universal, 1996; 13a.
edição) 48.
8 Mark I. Bubeck, Raising Lambs Among Wolves: How to Protect
Your Children from Evil (Chicago: Moody Press, 1997) 237-39.
9 Ver a excelente discussão de Loraine Boettner sobre o
uso de objetos no culto católico, incluindo rosários, crucifixos,
escapulários, e relíquias que vão desde pedaços da
cruz de Cristo, da coroa de espinhos e o Santo Sudário, até roupas
e frascos de leite da Virgem Maria!!! (Roman Catholicism [Phillipsburg,
NJ: Presbyterian and Reformed, 1962; 9a. edição de 1980]
284-95).
10 Kurt Koch afirma que alguns mosteiros católicos na
Suíça distribuem amuletos ou fetiches ao povo, para
protegê-los contra doenças e epidemias. Esses amuletos são
geralmente pequenos sacos, contendo, em alguns casos, pedaços de unhas e
de casca de ovos. Cf. Kurt Koch, Between Christ and Satan (Michigan:
Kregel Publications, 1962) 87.
11 Existem lojas virtuais pela Internet onde toda a
parafernálias usada nos rituais mágicos e de bruxaria estão
acessíveis e podem ser facilmente adquiridos com cartão de
crédito.
12 O conceito pagão por detrás dessas
práticas é o de transferência de poderes espirituais
para objetos. James Fraser argumenta que essa idéia está presente
nas religiões mais antigas e primitivas e consiste basicamente em
transferir para objetos ou animais toda dor, culpa e sofrimento, bem como os
maus espíritos que os produzem. Fraser dá vários exemplos
interessantes, como por exemplo, a prática de povos indianos de curar
epilepsia aplicando folhas de determinadas plantas ao paciente e depois
lançando-as fora. Acredita-se que a doença passa para as folhas e
depois vai embora com elas (James G. Fraser, The Golden Bough: A Study in
Magic and Religion [Nova York: Mcmillan, 1925] 538-40)
13 Warner, Spiritual Warfare, 94.
14 Ibid., 94-95.
15 A palavra hebraica para "bodes", ocorre
mais de 40 vezes no Antigo Testamento. Em 4 dessas ocorrências, foi
traduzida pela versão Almeida Atualizada (bem como outras versões
importantes) como "demônios" ou "sátiros":
Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos
demônios, com os quais eles se prostituem; isso lhes será por
estatuto perpétuo nas suas gerações (Lv
17.7)
Jeroboão constituiu os seus próprios sacerdotes,
para os altos, para os sátiros e para os bezerros que fizera (2 Cr
11:15)
Porém, nela, as feras do deserto repousarão, e as
suas casas se encherão de corujas; ali habitarão os avestruzes, e
os sátiros pularão ali (Is 13.21)
As feras do deserto se
encontrarão com as hienas, e os sátiros clamarão uns para
os outros; fantasmas ali pousarão e acharão para si lugar de
repouso (Is 34.14)
O sátiro era um figura da mitologia grega, uma fera do
deserto, metade homem e metade bode. Na antigüidade, era associada ao deus
Dionísio. É provável que no período do Antigo
Testamento existisse um culto aos sátiros, tendo origem no Egito, e com o
qual os israelitas tivessem alguma familiaridade quando ali estiveram como
escravos (cf. Js 24.14). Segundo Harrison nos informa, essa seita egípcia
floresceu na região oriental do Delta e seu ritual incluía bodes
copulando com mulheres adeptas (cf. R. K. Harrison, Levítico:
Introdução e Comentário, em Série Cultura
Bíblica [São Paulo: Mundo Cristão e Vida Nova, 1980]
165-166). Assim sendo, a tradução de Levítico 17.7 poderia
ser simplesmente "Nunca mais oferecerão os seus sacrifícios aos
sátiros (ou, deus-bode)". A tradução
"demônios" é interpretativa, e pode dar a sugestão de que
realmente existiam demônios em forma de bode que assombravam os desertos.
O texto hebraico não se refere a demônios, mas ao culto aos
sátiros praticado naquela época por alguns israelitas.
16 Warner, Spiritual Warfare, 113.
17 Ver Catecismo Maior, pergunta 109.
18 Cf. G. Adolf Deissmann, Bible Studies (Edimburgo: T.
& T. Clark, 1901), 323.
19 John Gill’s Expositor, in loco.
20 Por outro lado, não quero com isso apoiar
irrestritamente os movimentos entre os jovens para queimar discos e fitas de
rock evangélico, considerados espiritualmente perniciosos por alguns
líderes evangélicos (cf. Rick Lawrence, "Gothard slams Christian
rock", em Group, Set. 1990, 41-42). Em geral, sou emocionalmente contra a
iconoclastria (destruição de ídolos) por cristãos,
como por exemplo, a ocorrida na Escócia, sob os auspícios de John
Knox, quando o povo entrou nas igrejas católicas e quebrou todas as
imagens, utensílios e objetos ligados ao culto idólatra. Se
tivermos, porém, de queimar alguma coisa, a queima de horóscopos
poderia fazer algum bem – numa pesquisa de 1992, 11% dos crentes
americanos disseram consultar horóscopos e acreditar em astrologia ("Most
Americans believe in moral absolutes...", em National & International
Religion Report, 13 de Julho de 1992, p. 8).
21 Segundo Barclay nos informa, um dos métodos usados
pelos exorcistas era conhecer o nome de um espírito mais poderoso do que
aquele que estava no doente, e invocá-lo contra esse espírito de
doença. Cf. William Barclay, "Hechos de los Apostoles", em El Nuevo
Testamento Comentado por William Barclay, vol. 7 (Argentina: La Aurora,
1974) 154-55.
22 I. Howard Marshall, Atos: Introdução e
Comentário, em Série Cultura Bíblica (São Paulo:
Vida Nova e Mundo Cristão, 1982) 294.
23 Ver a descrição detalhada (inclusive com fotos)
em Macedo, Orixás, Caboclos & Guias, 106-8.
24 Aparentemente, a comunidade havia preparado algumas perguntas
para Paulo sobre questões práticas Esta carta havia sido
possivelmente trazida por uma delegação (1 Co 16.17). Em 1
Coríntios Paulo responde algumas dessas perguntas. Podemos
detectá-las nas partes da carta que Paulo começa com a
expressão "com relação à....", ver 7:1, 25, 8:1,
12:1, 16:1, 16:12.
25 Barclay, I & II Corintios, 83-84.
26 Ibid., 84. Serápis era uma divindade do Egito,
importada da Grécia. Era o deus dos mortos e da cura. Um dos seus
adoradores mais famosos foi o rei Ptolomeu I, considerado também o
iniciador do culto a esse deus.
27 Ibid.
28 Cf. Fraser, The Golden Bough, onde ele discute esse
assunto em relação ao culto de Diana.
29 Os que estão familiarizados com os comentários
de Barclay percebem como freqüentemente ele apela para a antiga
crença pagã em um mundo povoado de demônios para explicar
passagens bíblicas onde demônios são mencionados, sugerindo
que os cristãos primitivos, bem como os autores bíblicos,
partilhavam das superstições pagãs quanto aos
demônios, as quais seriam, diz Barclay, incompatíveis com os
conceitos modernos de psicologia e da ciência. Infelizmente, ao fim de sua
carreira, Barclay abandonou as principais doutrinas do cristianismo
histórico, revelando que esse tipo de tendência tinha raiz mais
profunda. No seu livro, A Spiritual Autobiography (Grand Rapids:
Eerdmans, 1975) onde ele narra sua vida e ministério, os
evangélicos ficarão desapontados ao ver o quanto ele se distancia
do Cristianismo ortodoxo. Ele se declara universalista (p. 58); declara que o
Novo Testamento nunca identifica Jesus como Deus (p. 50); nega a
ressurreição literal e física de Jesus (p. 108); identifica
o Espírito Santo com o Cristo ressurrecto (p. 109); e declara que "os
milagres geralmente não foram histórias do que Jesus fez, mas
símbolos do que ele ainda pode fazer" (p. 45). Evidentemente podemos
aprender muitas coisas de suas obras, mas o leitor deverá lê-las
com discrição e discernimento.
30 C. Peter Wagner, Se Não Tiver Amor (Curitiba:
Luz e Vida, 1982) 67-68.
31 Note que Paulo não teve qualquer problema em anunciar
o decreto em Antioquia, o que produziu muito conforto entre os irmãos (At
15.30-31).
32 Não somente Paulo, mas os cristãos em geral
tinham esse conceito. João escreveu: "Os outros homens, aqueles que
não foram mortos por esses flagelos, não se arrependeram das obras
das suas mãos, deixando de adorar os demônios e os ídolos de
ouro, de prata, de cobre, de pedra e de pau, que nem podem ver, nem ouvir, nem
andar" (Ap 9.20).
33 Cf. Charles Hodge, A Commentary on 1 & 2
Corinthians (Carlisle, PA: Banner of Truth, 1857; reimpressão 1978)
193.
34 Hodge (1 & 2 Corinthians, 194) chama a nossa
atenção para o fato de que o mesmo princípio se aplica hoje
aos missionários que, por força da
"contextualização", acabam por participar nos festivais
pagãos dos povos. Semelhantemente, os protestantes que participam da
Missa católica, mesmo não tendo intenção de adorar a
hóstia, acabam cometendo esse pecado, ao se curvar diante dela.
35 João Calvino, Exposição de 1
Coríntios, em Comentário à Sagrada Escritura, trad.
Valter G. Martins (São Paulo: Paracletos, 1996) 320.
36 Essa diferença fundamental não foi notada por
Kurt Koch em seu livro sobre magia e ocultismo. Ele diz que "O uso de fetiches,
isto é, objetos carregados de magia, corresponde talvez ao uso da
água no batismo ou do pão e vinho na Ceia do Senhor" (Between
Christ and Satan, 85).