PNEUMATOLOGIA REFORMADA, DE VERDADE!
DEFINIÇÕES E DESAFIOS
CONTEMPORÂNEOS
Augustus Nicodemus Lopes
O que é ser
"reformado"?
A primeira questão com a qual nos defrontamos ao abordar o tema
desse pequeno ensaio é a de definir exatamente sobre o que estamos
falando. O nosso assunto gira em torno da compreensão reformada
sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo. Mas, o que queremos dizer por
"reformada"?
Não existe unanimidade entre os que se consideram herdeiros da
Reforma protestante quanto ao sentido do termo. Historicamente, o termo
"reformados" foi usado a princípio indistintamente para todos os
protestantes, calvinistas, luteranos e zwinglianos. Com as controvérsias
entre eles sobre a Ceia, "reformados" passou a designar zwinglianos e
calvinistas somente, em contraponto aos luteranos. E com o arrefecimento da
importância de Zwinglio no cenário protestante, "reformados" passou
a designar os calvinistas. Portanto, é historicamente correto afirmar que
um entendimento reformado sobre o Espírito Santo tem a ver primaria e
basicamente com a teologia calvinista sobre o Espírito Santo. Hoje
em dia, muitas igrejas e denominações se utilizam do nome
"reformada", mesmo que já tenham abandonado em grande medida partes
fundamentais da teologia calvinista, inclusive a pneumatologia. O mesmo acontece
com alguns pastores que consideram-se reformados apesar do fato de que
não são calvinistas em sua doutrina. Assim, embora para alguns
hoje ser reformado seja pertencer a uma igreja que historicamente descende da
reforma protestante, ou ainda manter o espírito reformista que marcou os
reformadores, é mais exato dizer que o conceito está ligado
às principais convicções doutrinárias dos
reformadores, particularmente às de João Calvino.
Consequentemente, uma pneumatologia reformada é necessariamente
aquela adotada pelas igrejas que são herdeiras do Cristianismo
bíblico. É uma pneumatologia originada nas Escrituras e defendida
por Agostinho, Calvino, e os puritanos, tendo sua expressão adequada nas
confissões de fé reformadas. É uma pneumatologia derivada
de uma leitura das Escrituras a partir dos pressupostos principais que guiaram
esses homens, a começar com o alto apreço pelas Escrituras como
Palavra de Deus, inspirada e infalível, e única regra de fé
e prática da Igreja. À luz desta visão podemos definir
pneumatologia reformada como sendo aquela compreensão da pessoa e da obra
do Espírito Santo que parte da revelação divina grafada nas
Escrituras, lida e interpretada da ótica da hermenêutica reformada,
tendo como alvo a glória de Deus e o avanço do seu reino neste
mundo.
Se considerarmos que apenas os que se mantém leais aos principais
pontos da doutrina calvinista podem ser realmente chamados de reformados,
verificaremos que são poucos os verdadeiros reformados. Escreve o
ex-calvinista Clark Pinnock:
Tenho a forte impressão, confirmada até mesmo pelos que
discordam dela, que o pensamento de Agostinho está perdendo sua
influência nos evangélicos de hoje. Não são apenas os
evangelistas que estão pregando um evangelho arminiano. É
difícil até mesmo achar um teólogo calvinista hoje que
esteja disposto a defender a teologia reformada em seus detalhes mais
peculiares, em particular as opiniões de Calvino e Lutero. Eu não
estou sozinho, especialmente agora que Gordon Clark faleceu e John Gerstner
aposentou-se.
Numa época em que o número de "reformados" comprometidos com
a teologia calvinista é tão pequeno, não é de se
estranhar que tendências teológicas, filosóficas e
hermenêuticas, trazidas no bojo do pós-modernismo e do crescente
movimento neopentecostal, se infiltrem nas igrejas historicamente reformadas, e
descaracterizem, onde aceitas, a compreensão correta acerca do
Espírito Santo. Tais ameaças já estão presentes, e
que aparentemente vieram para ficar por um longo tempo. Entende-las agora
é essencial para a preservação da identidade reformada
quanto à obra do Espírito Santo no mundo e na Igreja. No que se
segue, procuro detectar e analisar alguns destes desafios
O Desafio Teológico:
Pelagianismo
O que é o
Pelagianismo
O primeiro desafio vem da área teológica, representado pelo
pelagianismo, heresia antiga e já condenada pela Igreja, mas
jamais erradicada do seu meio. O pelagianismo sustenta basicamente que todo
homem nasce moralmente neutro, e que é capaz, por si mesmo, sem qualquer
influência externa, de converter-se a Deus e obedecer à sua
vontade, quando assim o deseje. Uma das grandes disputas durante a Reforma
protestante versou sobre a natureza e a extensão do pecado original. Ele
afetou Adão somente, ou todo o gênero humano? A vontade do homem
decaído é ainda livre ou escravizada ao pecado? No século V
Pelágio havia debatido ferozmente com Agostinho sobre este assunto.
Agostinho mantinha que o pecado original de Adão foi herdado por toda a
humanidade e que, mesmo que o homem caído retenha a habilidade para
escolher, ele está escravizado ao pecado e não pode não
pecar. Por outro lado, Pelágio insistia que a queda de Adão
afetara apenas a Adão, e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas
perfeitas, Ele também dá a habilidade moral para que elas possam
fazer assim. Ele reivindicou mais adiante que a graça divina era
desnecessária para salvação, embora facilitasse a
obediência.
Agostinho teve sucesso refutando Pelágio, mas o pelagianismo
não morreu. Várias formas de pelagianismo recorreram
periodicamente através dos séculos. Lutero escreveu um livro "A
Escravidão da Vontade" em resposta a uma diatribe de Erasmo, onde o mesmo
defendia conceitos pelagianos. Lutero acreditava que Erasmo era "um inimigo de
Deus e da religião Cristã" por causa do ensino dele sobre o pecado
original. É bom notar que o Catolicismo medieval, sob a influência
de Aquino, adotara um semi-pelagianismo, mesmo que na antigüidade houvesse
rejeitado o pelagianismo puro. Neste sistema, acreditava-se que o homem
cooperava com a graça de Deus para a salvação.
No século XVIII, uma forma nova e levemente modificada de
pelagianismo, apareceu, que foi o arminianismo. Existem algumas
diferenças entre as duas posições, mas ambas são
sinergistas (o homem coopera para sua salvação) e mantém o
mesmo conceito de fé (uma decisão puramente humana de receber a
Jesus Cristo, e não como um dom misericordioso de Deus).
A influência de Charles
Finney
No século XIX, o evangelista americano Charles Grandison Finney
reavivou o puro pelagianismo. Ele repudiou abertamente quase todas as principais
doutrinas calvinistas (mesmo que tenha sido ordenado na Igreja Presbiteriana),
em particular a doutrina de pecado original e da depravação total.
É um grave erro histórico e teológico considerar Finney
como "reformado" (alguns, exagerando, diga-se, nem desejam considerá-lo
como evangélico). A metodologia evangelística de Finney teve tanto
êxito, que ele se tornou um modelo para os evangelistas mais recentes.
Embora o evangelicalismo americano não tivesse aceitado integralmente o
pelagianismo de Finney, abraçou, entretanto, sua metodologia, uma forma
de semi-pelagianismo que infectou a alma da sua teologia até o dia de
hoje. Vários movimentos nasceram conscientemente da teologia de Finney,
como a teoria do governo moral.
Ameaças à doutrina do
Espírito Santo
O pelagianismo, em suas variadas formas contemporâneas, ameaça
a doutrina reformada do Espírito Santo especialmente nas áreas da
regeneração e da chamada eficaz, das seguintes maneiras:
a) Reduz a regeneração do pecador a uma decisão de
sua própria vontade. Finney rejeitou a idéia de que a
regeneração fosse um milagre, uma transformação
sobrenatural produzida pela ação soberana do Espírito no
coração dos eleitos. Para ele, regeneração era a
decisão do pecador em se voltar para Deus e obedecê-lo. Não
poderia haver nenhuma transformação miraculosa, pois não
havia o que transformar, já que o pecador é moralmente capaz de
obedecer a Deus. Após a negação de pecado original, foi
somente um passo para que Finney negasse a doutrina da regeneração
sobrenatural. O sermão mais popular de Finney, pregado na Igreja da Rua
do Parque, em Boston, foi intitulado "Os Pecadores Devem Mudar os
Próprios Corações". Para ele, não há nada na
religião que ultrapasse os poderes ordinários de natureza.
"Religião é obra do homem", disse ele. "Consiste tão
somente no emprego apropriado dos poderes naturais. É somente isso e nada
mais"
b) Reduz a chamada eficaz do Espírito Santo a uma mera
persuasão moral. Para Finney, a obra do Espírito limita-se ao
exercício de influências morais no pecador, mas "a conversão
em si ... é ato do próprio pecador", afirma ele em sua Teologia
Sistemática (p. 236). O ensino calvinista é que o
Espírito de Deus, através do ministério da Palavra, chama
irresistivelmente o eleito, regenerando-o e assim habilitando-o a responder
positivamente em fé à oferta das boas novas do Evangelho. Essa
chamada é irresistível, embora não se constitua uma
violação da vontade do pecador. No conceito pelagiano (ou
semi-pelagiano), o Espírito de Deus apenas se esforça para
persuadir os pecadores, cabendo a estes em última análise a
decisão e a capacidade de converter-se e tornar para Deus, exercendo
fé em Cristo.
O desafio do pelagianismo em suas formas contemporâneas para a
identidade reformada é alarmante. O pentecostalismo, em seu crescimento
assombroso na América Latina e no Brasil, traz em seu bojo, além
de várias outras ameaças e desafios, os principais conceitos do
antigo pelagianismo, e desafia as igrejas reformadas a rever o conceito
calvinista da atuação do Espírito Santo na
regeneração e salvação do pecador. Os pentecostais
são hoje mais de 450 milhões no mundo. Com o crescimento do
pelagianismo no Brasil, a identidade reformada das igrejas que assim se
consideram fica ameaçada, no que respeita à obra do
Espírito Santo na conversão dos pecadores.
Mas o desafio maior vem de dentro das próprias igrejas
históricas. Não são muitos os "reformados" que aderem
coerentemente à doutrina calvinista da depravação total.
Embora possam afirmá-la em princípio, acabam sendo incoerentes por
também acreditar que o pecador tem a "capacidade moral de se voltar para
Deus". Praticamente ninguém hoje declararia, "eu sou um pelagiano, ou
semi-pelagiano", primeiro, por que toda a Cristandade condenou no passado essa
heresia, e segundo, por que poucos que adotam esta linha têm idéia
do que o pelagianismo significa. Muitos ministros de igrejas reformadas
provavelmente ofereceriam as respostas corretas em um exame teológico,
entretanto, operam em seus ministério como se essas
convicções não tivessem absolutamente nenhuma
conseqüência.
Os Desafios Filosóficos:
Pluralismo e Pragmatismo
O pluralismo religioso
Um outro desafio de imensas proporções vem de duas filosofias
características do período pós-moderno em que vivemos. A
primeira delas é o pluralismo. Como o nome já indica, essa
filosofia defende a pluralidade da verdade, ou seja, que não existe uma
verdade absoluta, mas sim verdades diferentes para cada pessoa. Esse conceito
é ambíguo, mas definitivamente já faz parte integrante da
nossa cultura presente. Ele defende o relacionamento de pessoas com ideologias
diferentes, sem que uma tenha de sujeitar suas convicções ao
domínio da outra. A idéia de converter alguém às
suas próprias convicções é politicamente incorreto.
A chave está na valorização da negociação e
da cooperação em lugar de se tentar provar que se está
certo ou errado.
O pluralismo religioso, por sua vez, prega o abandono da
"arrogância" teológica do cristianismo, nega que exista verdade
religiosa absoluta, e exalta a experiência religiosa individual como
critério último para cada um. Por exemplo, o padre católico
Raimundo Panikkar, descendente de hindus, escreveu um artigo onde defende que
isolacionismo já não é mais possível na sociedade
globalista em que vivemos. Embora afirme que aceitar o pluralismo religioso
não signifique o mesmo que aceitar o relativismo, deixa claro que a
experiência religiosa individual é a chave para a convivência
pluralista. Diz ele, "No momento eu estou experimentando o amor de Deus por mim
em Cristo Jesus, e por este motivo eu sei com perfeita clareza que ele é
o caminho, a verdade e a vida".
O pluralismo religioso defende uma nova teoria missiológica, onde
não mais se prega a necessidade de conversão de outras
religiões ao cristianismo, e sim a cooperação entre todas
as religiões, naquilo que têm em comum. O pressuposto é que
o cristianismo não é o único caminho para Deus, embora seja
o melhor, e que Deus está agindo salvadoramente no âmbito de outras
religiões, como as religiões orientais.
O pragmatismo
religioso
A outra filosofia é o pragmatismo. Seu popularizador, o
psicólogo americano William James, afirmou que idéias humanas eram
verdadeiras se funcionassem ou fossem úteis para resolver problemas.
Já que o funcionamento e utilidade das idéias variam de contexto
para contexto, segue-se que a verdade é relativa. No dizer de Francis
Schaeffer, é um sistema de pensamento que faz das
conseqüências práticas de uma crença o critério
supremo da sua verdade. O pragmatismo dominou rapidamente a cultura americana e
estendeu-se para além das suas fronteiras. Adotar as coisas que realmente
preservam a paz individual e uma situação financeira
confortável, sem qualquer preocupação com princípios
fixos de certo ou errado é evidentemente a idéia que controla
procedimentos internacionais, domésticos e individuais. Princípios
absolutos tem pouco ou nenhum lugar no pensamento ocidental moderno.
Não devemos, portanto, pensar que o pragmatismo é um
fenômeno ocidental. Seu princípio fundamental é inerente ao
coração humano. Uma das 4 premissas básicas do substrato
filosófico e religioso da Ásia, por exemplo, pode ser resumida
neste parágrafo: "É direito de cada pessoa religiosa aceitar e
praticar qualquer maneira de viver que achar útil ao seu modo de pensar e
às suas circunstâncias sociais peculiares".
Desafios do Pluralismo e do
Pragmatismo para a doutrina do Espírito Santo
O pluralismo e o pragmatismo andam geralmente de mãos dadas. Onde o
conceito de verdade absoluta deixa de existir (pluralismo), as pessoas e as
organizações passam a orientar as suas decisões em termos
daquilo que mais satisfaz as suas necessidades (pragmatismo). A
combinação destas duas filosofias aparece claramente em
vários movimentos presentes nas igrejas evangélicas, e representam
um novo desafio ao cristianismo em geral e aos calvinistas em particular. A
pergunta que as pessoas fazem com relação ao cristianismo
não é se ele é a verdade ou não, mas simplesmente se
funciona. Elas querem saber se vai mudar a vida delas para melhor, se Cristo
realmente é poderoso para transformá-las, e pode dar-lhes paz,
alegria, esperança e propósito às suas existências.
Ambas as filosofias trazem sérios desafios a alguns aspectos da
pessoa e obra do Espírito Santo:
1) Quanto à extensão da operação ou
atividade salvadora do Espírito Santo. O calvinismo ensina uma
distinção nas operações do Espírito Santo,
que está relacionada com os conceitos de graça comum e de
graça especial. A graça comum refere-se à
atuação do Espírito Santo no mundo em geral, preservando
valores morais e trazendo benefícios materiais, sobre todos os homens
indistintamente de suas crenças religiosas. A graça especial
refere-se à operação salvadora do Espírito, restrita
apenas aos eleitos, regenerando-os, iluminando-os e santificando-os pelo
Evangelho de Cristo. O pluralismo religioso ameaça esse conceito, pois
ensina que o Espírito de Deus age salvadoramente em todos os homens
indistintamente de suas religiões, sem se restringir ao âmbito do
cristianismo. Um exemplo de pluralista cristão que defende esse ponto
é o ex-calvinista Clark Pinnock.
2) Quanto à relação entre a Palavra e o
Espírito. O calvinismo ensina a relação
indissolúvel entre a atuação do Espírito Santo e a
Palavra de Deus. O Espírito atua graciosamente através da Palavra;
por sua vez, a Palavra funciona como critério para reconhecermos a
atividade do Espírito, em contraste com a atividade de espíritos
malignos ou do espírito humano. O pluralismo e o pragmatismo
ameaçam este conceito. O primeiro, porque divorcia a
atuação salvadora do Espírito da verdade bíblica,
como vimos no item anterior. E o segundo por enfatizar a validade de
experiências religiosas à parte de seus conteúdos
teológicos, ameaçando assim da mesma forma a relação
entre o Espírito e a Palavra.
3) Quanto à soberania do Espírito de Deus em converter
pecadores e aumentar a Igreja. Segundo o ensino calvinista, o aumento da
Igreja através da conversão de pecadores é uma obra
soberana do Espírito Santo, através dos meios secundários
que Deus mesmo determinou. A Igreja deve evangelizar ardorosamente, dependendo
porém da operação soberana do Espírito Santo quanto
aos resultados. O pragmatismo representa um desafio para essa
convicção calvinista, pois enfatiza o emprego de métodos,
estratégias e técnicas tiradas do marketing secular e de
ciências sociais como sociologia e psicologia, através das quais a
igreja poderá crescer. O sucesso ou fracasso de igrejas locais no
aumentar o número de seus membros é relacionado, não
à soberania do Espírito de Deus, mas ao uso desses métodos.
Embora calvinistas defendam o planejamento das atividades missionárias e
evangelísticas da Igreja, têm entretanto sérias reservas
quanto ao planejamento de resultados, uma estratégia que faz parte do
pragmatismo do moderno movimento de crescimento de igrejas.
Influência generalizada do
pluralismo e do pragmatismo entre os protestantes
O pluralismo e o pragmatismo têm infectado o cristianismo
mundialmente. O tema da salvação em outras religiões foi
discutido recentemente na Assembléia Geral do Concílio Mundial de
Igrejas. O relatório apresentado trouxe debate considerável. Uma
consulta teológica na suíça patrocinada pelo CMI, composta
por 25 teólogos, trouxe as seguintes conclusões:
- Através da história, pessoas tem encontrado a Deus no contexto
de várias religiões e culturas diferentes.
- Todas as tradições religiosas são ambíguas, isto
é, uma combinação do que é bom e do que é
ruim.
- É necessário progredir além de uma teologia que confina
a salvação a um compromisso pessoal explícito com Jesus
Cristo.
Em algumas denominações o pluralismo tem
sido proposto como filosofia oficial, como na Igreja Metodista Unida, dos
Estados Unidos. Nas igrejas brasileiras que se consideram reformadas, a
ameaça vem por diversas avenidas, trazendo sérios desafios
à doutrina calvinista do Espírito Santo. Eis algumas dessas
maneiras pelas quais o pragmatismo e o pluralismo têm invadido as igrejas
históricas:
a) A adoção de uma liturgia neopentecostal,
particularmente a ênfase na experiência. O culto hoje em igrejas
evangélicas que adotaram esta ênfase, é geralmente uma
adaptação comunitária do pragmatismo americano, onde todos
fazem o que gostam, e todos gostam do que fazem.
b) O impacto do movimento de crescimento de igreja na área de
missões e evangelização das denominações,
missões paraeclesiásticas, e das igrejas locais. Mesmo as igrejas
reformadas não tem escapado à penetração dessas
influências mencionadas acima. Embora o movimento tenha levado a Igreja a
repensar mais corretamente a sua metodologia missionária, por outro lado,
tem provocado reações por parte de calvinistas quanto à
seus pressupostos semi-pelagianos e sua metodologia claramente
pragmatista.
A influência dessas filosofias pós-modernas pode ser percebida
ainda de outra maneira. Uma equipe de pesquisa composta de 60 estudiosos e mais
de 100 sócios completou um estudo sobre o presbiterianismo americano, no
seminário presbiteriano de Louisville, nos EUA. Uma das suas
conclusões é que no século XX a denominação
sofreu de uma doença teológica, com muitos presbiterianos evitando
posições firmes e claras na área teológica porque
diferenças doutrinais tendem a produzir conflito ou divisão. Essa
é a razão por que eles tentaram em anos recentes resolver
problemas potencialmente divisivos em termos políticos e não
teológicos.
A diversidade de perspectivas teológicas dentro das
denominações presbiterianas tem origem na escolha enfrentada em
1927 pela Igreja Presbiteriana nos Estados Unidos de América (PCUSA). A
denominação teve que decidir entre subscrever a um conjunto fixo
de doutrinas ou permitir uma diferença maior entre opiniões
teológicas. A Igreja decidiu por não delinear as doutrinas exatas
que todos os presbiterianos teriam que aceitar, uma decisão consistente
com o presbiterianismo histórico daquele país. Debates
doutrinários haviam sido freqüentes no passado, com divisões
acontecendo sempre que as disparidades ficavam intoleráveis. A pergunta
agora é se o pluralismo teológico produziu alguma teologia que
tenha bastante substância. O pluralismo promete enriquecer a teologia mas
na realidade tende a dilui-la em opções múltiplas que
não são coerentes nem persuasivas. E a identidade reformada quanto
à ação do Espírito tende a desaparecer.
O Desafio Hermenêutico:
Neopentecostalismo
O que é o
neopentecostalismo
Por neopentecostalismo quero dizer aqueles movimentos surgidos em
décadas recentes, que são desdobramentos do pentecostalismo
clássico do início do século, mesmo que abandonaram algumas
de suas ênfases características e adquiriram marcas
próprias, como ênfase em revelações diretas, curas,
batalha espiritual, e particularmente uma maneira sobrenaturalista de encarar a
realidade espiritual.
A hermenêutica destes movimentos é caracterizada por uma
leitura das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação
sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de sua
ação extraordinária. Para o neopentecostal típico,
Deus o guia na vida diária através de impulsos, sonhos,
visões, palavras proféticas, e dá soluções
aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações,
livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que define, mais que qualquer outra,
as igrejas evangélicas no Brasil hoje, é a crença em
milagres. É claro que não estou dizendo que crer em milagres seja
errado. O que estou dizendo é que, na hora que a crença em
milagres contemporâneos e diários passa a ser a
característica maior da igreja evangélica, algo está
errado.
Desafios para a doutrina do
Espírito Santo
A hermenêutica sobrenaturalista do neopentecostalismo representa um
desafio para a identidade reformada pois tende a menosprezar uma das doutrinas
típicas do calvinismo, que é a providência de Deus.
Partindo das Escrituras, os reformados usam o termo providência
para se referir à ação de Deus, pelo seu Espírito,
agindo no mundo através de pessoas e circunstâncias da vida para
atingir seus propósitos. Esses meios não são
intervenções miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida
humana, mas simplesmente meios naturais secundários. Os calvinistas
reconhecem que Deus intervém miraculosamente neste mundo, mas sempre em
regime de exceção. Normalmente, ele age através dos meios
naturais.
O neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e
miraculosa de Deus no mundo (a qual não negamos, diga-se), acaba por
negligenciar a importância da operação do Espírito
Santo através de meios secundários e naturais. Essa
negligência torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o
Espírito normalmente trabalha através de meios secundários
e naturais para salvar os pecadores. Acredito não ser difícil de
provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram salvos através
de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da
Bíblia, a pregação da Palavra – e não
através de intervenções miraculosas e
extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas
por ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo
espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de
não se tomar remédios, como sendo falta de fé. Um outro
resultado é a diminuição da pregação do
Evangelho como meio de salvação dos pecadores, e a ênfase
nos milagres como meio evangelístico. Assim, a obra do Espírito na
Igreja e no mundo através dos meios naturais secundários é
negligenciada, com graves e perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam
a cosmovisão neopentecostal.
Conclusão
Esses desafios à identidade reformada quanto à
ação do Espírito Santo já se encontram presentes em
nosso meio, e prometem persistir por ainda muito tempo. Alguns dos movimentos
contemporâneos que trazem no bojo de seus pressupostos e de sua
metodologia esses desafios, continuam a crescer no Brasil, e a influenciar as
igreja reformadas. Esses movimentos, como o reavivalismo, crescimento de
igrejas, batalha espiritual e ecumenismo forçam as igrejas reformadas a
reavaliar o que crêem quanto à ação do
Espírito na Igreja e no mundo. O desafio é que façamos isso
procurando cada vez mais conformar essas crenças com o ensino das
Escrituras Sagradas, a Palavra de Deus, e com a nossa tradição
calvinista.