Entendendo a "Bênção
de Toronto"
Augustus Nicodemus
Lopes
(Artigo publicado originalmente na revista
Ultimato, 1996)
No início de 1994 o mundo evangélico ficou agitado com as
notícias de que um avivamento irrompera em uma das Igrejas do Vineyard
Fellowship ("Comunhão da Videira") em Toronto, cidade importante do
Canadá. Tratava-se da Toronto Airport Vineyard Fellowship
("Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto"), pastoreada pelo
pastor John Arnott e sua esposa Carol, também pastora. Evangélicos
aos milhares, especialmente pastores (segundo Arnott, mais de 30.000 pastores e
líderes) vieram de várias partes do mundo para a Igreja do
Aeroporto, para ver e receber a "bênção de Toronto", como
ficou conhecido o movimento.
O que faz o movimento diferente do que acontece nas demais igrejas
carismáticas do mundo é que ele afirma que Deus os tem visitado
com um avivamento em que a presença do Pai torna-se tão intensa, e
seu amor tão claramente revelado, que as pessoas são enchidas pela
alegria do Espírito Santo, e reagem com gargalhadas, risos
incontroláveis, chegando a cair no chão, a rolar de rir. Outras
reações físicas mais conhecidas, como "cair no
Espírito", tremores, gritos, etc. também estão presentes.
Mas é a "gargalhada santa" que tem se tornado a principal
característica deste movimento, apesar de que seus líderes sempre
procuram dizer que o mais importante é a presença de Deus e as
vidas transformadas.
A "bênção de Toronto" tem se espalhado pelas igrejas
carismáticas pelo mundo afora. O Brasil não é
exceção. As características do movimento já se fazem
presente, inclusive em algumas igrejas locais das denominações
históricas.
Como Tudo Começou
A antes desconhecida "Comunhão da Videira do Aeroporto de Toronto"
começou a se tornar famosa quando John Arnott veio ser seu pastor. Arnott
se converteu ainda adolescente numa cruzada de Billy Graham em 1955 no
Canadá, e filiou-se a uma igreja Batista. Segundo suas próprias
palavras, aprendeu com as igrejas Pentecostais de Toronto que "havia mais" do
que era ensinado pela Igreja Batista.(1) Tornou-se membro de uma igreja
Pentecostal, e posteriormente entrou no ministério na área de
Toronto, em 1981. Casou-se com Carol, que também foi ordenada como
pastora. Em 1993 começaram a pastorear a "Comunhão da Videira do
Aeroporto de Toronto". O ministério de John Arnott e sua esposa era
típico dos pastores de igrejas da "Terceira Onda": cura interior, batalha
espiritual, libertação, expulsão de demônios, etc.
Várias pessoas tiveram influência decisiva na vida e na
formação teológica de Arnott. Ele reconhece entre elas a
famosa Kathryn Kuhlman, o renomado pastor carismático Benny Hinn e,
naturalmente, John Wimber.(2)
Em 1992 John e Carol Arnott foram a uma conferência de Benny Hinn em
Toronto. Ambos se sentiam exaustos e secos no ministério. Sairam da
conferência com o propósito de buscar da parte de Deus a
"unção" que viram em Hinn (que nas conferências de Benny
Hinn se manifesta especialmente pelas pessoas "cairem no Espírito"). Em
Novembro de 1993, o casal Arnott foi à Argentina, conhecer o "avivamento"
que estava acontecendo através de Claudio Freidzon, um líder das
Assembléias de Deus naquele país. Numa das reuniões, John e
Carol foram à frente, e Freidzon orou por eles. John caiu no chão.
Quando se levantou, Freidzon lhe perguntou: "Você quer a
unção?" John respondeu, "Quero, sim, quero de verdade".
"Então, aqui está ela, receba-a", disse Freidzon, batendo com sua
mão espalmada na mão aberta de John. E segundo John relata,
naquele momento Deus lhe falou dizendo: "O que você está esperando?
Por favor, receba-a, é sua!". E então ele recebeu a
"unção" pela fé.(3)
Em Janeiro de 1994 John Arnott convidou Randy Clark, seu amigo e pastor de
uma outra igreja Vineyard em Saint Louis, Missouri, nos Estados Unidos, para uma
série de conferências. Ouçamos o testemunho do
próprio Arnott sobre o que acontenceu:
No dia 20 de Janeiro de 1994 a bênção do Pai caiu
sobre as cento e vinte pessoas que estavam presentes para o culto naquela
quinta-feira à noite em nossa Igreja. Randy deu seu testemunho, e o
período de ministério começou [o pastor e obreiros oram com
imposição de mãos sobre os que vieram à frente em
resposta ao apelo]. As pessoas cairam pelo chão debaixo do poder do
Espírito, rindo e chorando. Tivemos que empilhar as cadeiras para termos
espaço para todos. Alguns tiveram mesmo que ser carregados para
fora.(4)
Arnott diz que a reação das pessoas naquela noite em cair no
chão e rolar de rir, às gargalhadas, tomou-o e a Randy de
surpresa, pois estavam esperando conversões e curas (além das
quedas, naturalmente). A partir dai, em cada reunião da Igreja, durante o
período de ministração, o fenômeno se repetiu:
pessoas caindo de costas no chão (agarradas pelos "apanhadores", uma
equipe que se posiciona atrás dos que vão à frente, para
ajudá-los a cair sem se machucar), algumas explodindo em gargalhadas,
literalmente rolando de rir no chão, outras ficando duras no chão,
com os olhos fitando o vazio e as mãos estendidas para o alto. Outras,
tremendo histericamente, outras gritando. Para John e Carol Arnott, a
"unção" que tanto haviam buscado finalmente chegara — embora
certamente de uma forma inesperada, sob a forma da "gargalhada sagrada", ou
"riso santo". Arnott veio depois a batizar este comportamento como a
"bênção do Pai", mas o nome que realmente pegou foi "a
bênção de Toronto", nome dado por alguns jornalistas
ingleses que vieram a Toronto observar o fenômeno.
Este tipo de comportamento dos que freqüentavam a Igreja do Aeroporto
logo chamou a atenção do mundo evangélico, particularmente
dos carismáticos, bem como da imprensa secular. A
"bênção de Toronto" ocupou as primeiras páginas de
jornais em alguns lugares ao redor do mundo. Cedo o local de reuniões que
cabia cerca de 700 pessoas ficou pequeno para a quantidade de curiosos, e dos
que queriam receber a "bênção", que vinham de todas as
partes do mundo. Um novo local de reuniões comportando cerca de dois mil
lugares foi preparado. Algumas linhas aéreas tiveram de dobrar o
número de vôos para Toronto, e os hotéis da região
passaram a promover pacotes especiais para os que vinham para as reuniões
da Igreja do Aeroporto.
John Wimber, o líder da denominação A Videira,
à qual pertencia então a Igreja do Aeroporto de Toronto, veio dos
Estados Unidos a Toronto verificar in loco o que estava acontecendo. E
voltou dizendo que o que estava ocorrendo lá, o riso santo, era obra de
Deus.
Mas nem tudo era motivo de riso. Em 1995, um novo fenômeno
começou a se repetir nas reuniões, que finalmente provocou o
desligamento da Igreja de Arnott da Videira. Aconteceu enquanto Arnott
estava ausente em conferências na Igreja Vineyard de Randy Clark, nos
Estados Unidos. Um pastor chinês, líder das Igrejas chinesas
cantonesas de Vancouver, Canadá, durante o período de
ministração na Igreja do Aeroporto, começou a urrar como um
leão. Arnott foi chamado às pressas de volta, para resolver o
problema. A liderança que havia ficado à frente da Igreja lhe
disse que entendiam que o comportamento bizarro do pastor chinês era do
Espírito Santo.
Arnott entrevistou o pastor chinês diante da
congregação durante uma reunião, e para surpresa de todos,
ele caiu sobre as mãos e os pés, e começou a rugir como um
leão na plataforma, engatinhando de um lado para o outro, e gritando
"Deixem ir meu povo, deixem ir meu povo!". Ao voltar ao normal, o pastor
explicou que durante anos seu povo tinha sido iludido pelo dragão, mas
agora o leão de Judá haveria de libertá-los. A igreja
irrompeu em gritos e aplausos de aprovação, e Arnott convenceu-se
que aquilo vinha realmente do Espírito de Deus.(5)
A partir daí, os sons de animais passaram a fazer parte da
"bênção de Toronto", embora, como Arnott insiste, não
sejam muito freqüentes.(6) Há casos de pessoas rugindo como
leão, cantando como galo, piando como a águia, mugindo como o boi,
e gritando gritos de guerra como um guerreiro. Para Arnott, estes sons
são "profecias encenadas", em que Deus fala uma palavra profética
à Igreja através de sons de animais. Arnott passou a admitir e a
defender este comportamento como parte do avivamento em andamento na Igreja do
Aeroporto.
Mas John Wimber não se deixou persuadir pela
argumentação da liderança da Igreja do Aeroporto de
Toronto. Ao fim de 1995 foi dizer a Arnott que eles estavam desligados da
Videira. A razão principal segundo Wimber é que não
via base bíblica para profecia através de sons de animais emitidos
por cristãos em êxtase. A igreja do Aeroporto de Toronto,
entretanto, já havia ganhado popularidade suficiente para se manter
sozinha. Na verdade, tornou-se o centro de um movimento que tem ganhado
simpatizantes e aderentes de várias denominações pelo mundo
afora.
Os Cultos na Igreja do Aeroporto
Em Agosto de 1996 eu estava no Canadá, e aproveitei a oportunidade
para visitar a Igreja do Aeroporto de Toronto. O nome na placa já
não tem mais "Videira". O nome agora é Toronto Airport
Christian Fellowship ("Comunhão Cristã do Aeroporto de
Toronto"). Fui para os cultos do domingo. A igreja se reune num local enorme,
que é muito mais uma quadra poliesportiva coberta, com assentos para
perto de duas mil pessoas. No culto do domingo de manhã havia entretanto
menos de 800 pessoas, pelas minhas contas. E à noite, cerca de
600.
A ordem do culto é muito simples, e foi a mesma nos dois cultos.. Um
período de louvor, que dura cerca de 45 minutos, seguido de avisos.
Depois, testemunhos de pessoas que tem experimentado a
"bênção". Depois, recolhe-se uma oferta, e segue-se a
mensagem, em torno de 45 minutos. E depois vem o período de
ministração, quando o pregador e os obreiros oram pelos que
vêem à frente, querendo oração. Geralmente os
músicos estão tocando, e os obreiros oram com
imposição de mãos pelas pessoas, das quais a maioria "cai"
para trás, e são aparadas imediatamente pelos "apanhadores".
É durante este período enquanto estão deitadas no
chão — que eles chamam de "descansar no Espírito" —
que recebem visões, ouvem vozes (a voz de Deus, para eles), ou recebem
uma "palavra de revelação".
No culto da manhã, um homem atrás de mim começou a
falar em línguas. Outras pessoas simplesmente ficaram paradas, com as
mãos estendidas para o alto. Uma mulher africana à minha frente
começou a tremer incontrolavelmente, e finalmente abriu os braços
como se fosse um pássaro gigantesco, e começou a emitir sons como
se fosse uma águia. Vários gritos soaram de outra parte do
auditório. Uma mulher gritou: "Cantem na minha casa como crianças,
diz o Senhor". Ela repetiu esta "profecia" duas ou três vezes. O
guitarrista começou a balbuciar, e logo as pessoas se juntaram a ele,
produzindo um balbuciar conjunto, não muito alto. Gradualmente o som foi
diminuindo, até que finalmente cessou.
O período de louvor à noite não foi diferente, com as
mesmas manifestações: gritos, tremores, gesticulação
estranha. Mas desta feita, foi seguido de um período de
"ministério de cura". O dirigente profetizou que havia alguém no
auditório que tinha um tumor, e que o Senhor estava revelando que queria
curar aquela pessoa, que ela viesse à frente. Um bom grupo foi à
frente, enquanto o guitarrista mantinha um ambiente elétrico e tenso
variando em uma única nota da guitarra. A equipe de obreiros veio a
frente, e os "apanhadores" se posicionaram atrás das pessoas. Quando a
oração pela cura começou, vários cairam, outros
começaram a gritar e a tremer. No auditório as pessoas levantavam
as mãos, muitas pareciam em transe (como uma mulher ao meu lado). Uma
mulher descalça corria e dançava no corredor lateral do local, com
um véu branco na mão. A impressão geral que tive foi aquela
referida pelo apóstolo Paulo, que se entrasse indoutos no culto dos
Coríntios, diriam que estavam todos desequilibrados mental e
emocionalmente!
No culto da noite, pregou um dos pastores da Igreja. Após a mensagem
ele fez um apelo convidando à frente os que tinham desejo de receber
oração. Creio que umas cem pessoas foram à frente. Ao ver a
quantidade de pessoas, o pregador chamou todos os "apanhadores"
disponíveis, para virem ajudar os que iriam cair. A equipe de obreiros
veio à frente, e havia dois para cada pessoa: um na frente, para orar com
imposição de mãos, e outro por detrás, para apanhar
a pessoa quando caisse. Enquanto o pregador orava, os obreiros impunham as
mãos e oravam também, às vezes pegando nas mãos da
pessoa. Várias pessoas caiam de costas e eram sustentadas até ao
chão, onde ficavam duras, aparentemente sem sentidos, ou tremendo, ou
relaxadas. Outras permaneciam de pé.
Aproximei-me do centro da plataforma para observar melhor. Havia pessoas
caídas pelo chão, umas imóveis, olhos fechados, outras
tremendo, outras tentando se levantar sem conseguir. Outras pessoas que estavam
em pé tremiam ou gesticulavam de forma estranha. Gritos e gemidos se
ouviam. Uma mulher começou a chorar convulsivamente. Um moço
começou a tremer e a gritar horrivelmente, e foi acudido por alguns
obreiros. Uma mulher, que estivera correndo e dançando com um véu
na mão estava caida no chão, o corpo enrijecido, os braços
rígidos levantados para o céu.
A teologia do Movimento
Para John Arnott, o centro do movimento em sua igreja é uma nova
apreensão do amor do Pai por parte dos cristãos. Conhecer o amor
de Deus Pai e espalhá-lo é o lema do movimento. Neste contexto,
não há muito espaço no movimento para se falar em culpa,
juízo, pecado e castigo, e muito menos na ira de Deus. Procura-se criar
um ambente em que as pessoas possam experimentar e expressar este amor de Deus
com toda a liberdade - inclusive caindo no chão, tremendo, e gargalhando,
reações que são vistas como um extravasar da alegria no
Espírito que inunda a alma dos que foram alcançados.
Segundo Arnott, cada avivamento histórico teve uma ênfase
característica. O avivamento pentecostal, no início do
século, teve (e tem) como característica marcante a ênfase
nos dons espirituais. A característica do avivamento de Toronto, segundo
Arnott, é a ênfase no amor de Deus, e na alegria que ele produz na
vida dos seus filhos.
Arnott está consciente de que coisas estranhas e bizarras
estão acontecendo em sua enorme congregação. Mas ele tem
várias justificativas para elas. Arnott procura mencionar textos das
Escrituras para apoiar as reações físicas. Por exemplo,
relatos bíblicos de como pessoas, diante da atividade
extraordinária de Deus reagiram de forma incomum, caindo no chão,
tremendo, perdendo as forças. Os casos preferidos são:
Abraão (Gn 17.3), o povo diante do fogo de Deus (Lv 9.24), Saul (1 Sm
19:24-25), Ezequiel (Ez 1.28; 3.23), Daniel (Dn 10.7-8), os apóstolos no
monte da transfiguração (Mt 17.6), e o apóstolo João
na ilha de Patmos (Ap 1.17-18). Em todos estes casos, houve
reações físicas diante da manifestação da
presença de Deus, argumenta Arnott. Portanto, não se pode proibir
que elas ocorram, quando Deus está presente.
Não somente isto, Arnott também cita exemplos dos avivamentos
históricos, em que pessoas, durante os cultos públicos, igualmente
cairam no chão, tremeram, entraram em transe, interromperam o pregador
aos gritos, etc. Uma de suas citações prediletas é de um
livro de Jonathan Edwards, onde o famoso puritano americano narra
experiências de várias pessoas durante o avivamento ocorrido em
Northampton, na Nova Inglaterra, no século XVIII. Algumas delas, narra
Edwards, chegaram a cair durante a pregação da Palavra; outras,
entraram em transe, e ainda outras prorromperam em gritos de angústia.
Arnott também está a par de reações físicas
durante a pregação de João Wesley e George Whitefield
durante o Grande Avivamento na Inglaterra, no século XVIII. Citando estes
exemplos, Arnott procura colocar a "bênção de Toronto" como
sendo similar aos avivamentos históricos acontecidos no
passado.
O ponto é que, para Arnott, não podemos limitar o
Espírito, nem proibir reações à sua
operação na vida dos crentes. Não sabemos como o
Espírito opera, continua ele, e seria temerário colocar barreiras
ao que parece ser a sua atuação. Para ele, o que está
acontecendo no movimento nada mais é que a repetição de
fenômenos religiosos acontecidos através da história da
Igreja cristã, em épocas de grande intensidade espiritual; embora
esteja pronto a admitir que pessoas imitando animais, como profecia encenada,
é a contribuição singular da "bênção de
Toronto".
Avaliação
Muitas pessoas ao redor do mundo têm dado testemunho de que têm
sido abençoadas através do movimento da
"bênção de Toronto". Um exemplo é o professor de
teologia Clark Pinnock, que num recente (e polêmico) livro sobre o
Espírito Santo reconhece seu débito para com o movimento.(7) No
geral, estas pessoas testemunham de uma renovação em suas vidas do
amor e da alegria cristãs, e de um compromisso maior com a vida
cristã. Só podemos receber com alegria o crescimento destas
pessoas na vida cristã.
Recomendamos também a ênfase do movimento no amor de Deus, e
na necessidade da alegria na experiência cristã. Certamente
precisamos mais e mais experimentar esta alegria, e dar testemunho ao mundo do
gozo que temos em Cristo Jesus. Ao mesmo tempo, devemos cautelosamente indagar
qual o preço que está sendo pago para isto, e se, ao final, vale a
pena tomar este caminho para a renovação individual e da
Igreja.
Por outro lado, a teologia de John Arnott é explicitamente
influenciada por carismáticos como Benny Hinn, Howard Rodney-Brown, e
Kathryn Kuhlman, e portanto, sofre das mesmas deficiências que
caracterizam a teologia neo-pentecostal, como a abertura para
revelações diretas que se tornam, ao lado da Bíblia, uma
segunda regra de fé e prática. Some-se a isto a ênfase nas
experiências pessoais, e a tendencia para receber como divino tudo que tem
aparência do sobrenatural, sem o estabelecimento de critérios
adequados que ajudem a fazer distinção entre o divino, humano, e
demoníaco.
O movimento da "bênção de Toronto" faz parte do que tem
sido chamado de reavivalismo moderno, em distinção aos
avivamentos históricos dos séculos passados. Debaixo da
influência de Charles Finney, os evangélicos do século
passado até nossos dias passaram a ver avivamento como algo produzido
diretamente pelo esforço organizado de igrejas ou
denominações. Avivamento, dizem, é o resultado do emprego
adequado dos métodos certos. Nesta moldura teológica, os que
desejam avivamento empregam todos os meios possíveis para produzi-lo, em
contraste ao espírito dos antigos, que consideravam avivamento como obra
soberana de Deus, pela qual poderiam orar, mas jamais produzir.
Avivamentos genuinos são produzidos pelo Espírito Santo, mas
historicamente nenhum deles tem sido totalmente livre de excessos, erros
teológicos, atitudes carnais, e espírito faccioso, devido ao fato
que eles ocorrem entre nós, pecadores. Em toda obra divina,
Satanás vem colocar seu dedo, e promover a confusão -- para
não falar da contribuição da nossa natureza corrompida. Por
este motivo, durante períodos de intensa atividade religiosa e
despertamento espiritual, pastores e líderes conscientes destes fatos
quase sempre procuraram manter vigilância. A busca ansiosa e desesperada
pela "unção", por avivamento, e pela manifestação do
sobrenatural, acaba por abrir uma porta, pela qual fogo estranho pode entrar.
Não é impossível que isto tenha ocorrido, em alguma medida,
com os iniciadores do movimento de Toronto.
O que dizer do fato que a Igreja do Aeroporto de Toronto tem uma
confissão de fé evangélica? Se por um lado isto nos
tranqüiliza, por outro, traz imensa preocupações, pois o
grande problema hoje com movimentos neopentecostais nascidos dentro do
evangelicalismo não é que eles contradizem as doutrinas centrais
da ortodoxia evangélica, mas sim que lhes dão lugar
secundário, e que lhes acrescentam crenças e práticas, que
não são fruto de estudo e interpretação
bíblicos (como as doutrinas confessionais), mas de experiências e
mesmo revelações. No fim das contas, a teologia e a prática
acabam sendo controladas por experiências, visões, sonhos, e
revelações através de profetas, coisa comum no dia a dia
dos membros desta igreja, e de outras igrejas neopentecostais.
A justificativa apresentada para os fenômenos físicos
não é convincente. Nos exemplos bíblicos citados por Arnott
e outros líderes, as pessoas cairam prostradas sobre seus rostos, diante
da manifestação extrarodinária da glória de Deus. Se
Deus se manifestasse em nossos dias desta forma, esperaríamos
reações semelhantes. Mas não é isto que ocorre no
movimento. As pessoas começam a cair, rir, chorar, tremer, pular e imitar
animais sem qualquer manifestação especial da glória de
Deus. Em muitos casos, não há nem mesmo pregação!
Ví pessoas tremendo e caindo já no período inicial de
louvor.
A verdade é que não existe justificativa bíblica para
"cair" no Espírito, rir no Espírito, e imitar sons de animais.
Não lemos destas coisas ocorrendo com os crentes da Igreja
apostólica, no livro de Atos, nem há qualquer referência a
estas manifestações nas cartas escritas pelos apóstolos
às comunidades do primeiro século. Se estas coisas acompanharam a
Igreja apostólica, e eram para ocorrer através dos séculos
na Igreja cristã, é estranhos que não há qualquer
referência, orientação, ou instrução, da parte
dos apóstolos a este respeito.
Fazer referência aos fenômenos físicos ocorridos nos
reavivamentos históricos também não justifica. Aqueles
fenômenos foram resultado do impacto da pregação
profundamente bíblica, penetrante, quebrantadora, de homens como Wesley,
Whitefield e Edwards. Não existe pregação deste tipo no
movimento. Não se prega sobre a ira de Deus, o juizo final, os horrores
do inferno, a culpa do pecado; em parte, era a pregação sobre
estas coisas que levavam as pessoas a cairem prostradas, tal a angústia
de seus corações, durante os cultos dos antigos avivamentos. Mas
pregações sobre a santidade de Deus, sua ira, e o castigo dos
impenitentes não é freqüente no movimento.
Além do mais, os principais líderes dos reavivamentos
não encorajavam este tipo de coisas, e eram extremamente cautelosos
quanto a comportamentos bizarros e estranhos. O que vemos na
"bênção de Toronto" é o contrário, quando este
comportamento estranho e anormal é abertamente encorajado por sua
liderança.
Conclusão
Desejo concluir este artigo com algumas
observações.
1) Não podemos rejeitar o movimento como sendo algo totalmente do
diabo, embora igualmente não possamos descartar o ensino bíblico
de que Satanás provoca falsas sensações e
experiências religiosas. Existe suficiente Evangelho no movimento para
garantir a atuação do Espírito Santo, mas a abertura para
fenômenos físicos e novas revelações certamente
garantem a possibilidade de falsas experiências, doutrinas e ênfases
errôneas. Crentes genuinos que abraçam a experiência e
ensinos de Toronto podem estar se expondo ao engano religioso, e suas
conseqüências.
2) Embora não possamos negar a possibilidade da ocorrência de
fenômenos físicos em resposta à uma obra intensa do
Espírito, devemos recusá-los como evidência costumeira desta
obra, devido, não somente à sua subjetividade, mas, especialmente,
ao fato de que esta posição é biblicamente
insustentável. As evidências da obra do Espírito na vida dos
crentes e descrentes são descritas em abundância na Escritura, e
enfatizam especialmente uma vida santa em obediência à Palavra.
Reações físicas estão no geral ausentes. Crentes que
experimentam estas reações, como cair, tremer, ficar duro, emitir
sons animais, e as consideram como resultado da operação do
Espírito em suas vidas, podem estar trilhando o caminho perigoso da
ilusão religiosa. Quando estas reações acabarem,
serão tentados a reproduzi-las por si próprios.
________
Notas
1John G. Arnott, The Father's Blessing (Florida: Creation
House, 1995) 5.
2Ibid.
3Ibid., 58.
4Ibid., 59.
5Ibid., 168-169.
6Ibid., 169, 183.
7Clark H. Pinnock, Flame of Love: A Theology of the Holy
Spirit (Downers Grove, IL: Intervarsity Press, 1996) 250. É
importante observar que Pinnock tem sido bastante criticado pelos
evangélicos nos Estados Unidos pelas posições que
abraçou neste livro, e em outros, com respeito à
Trindade.